André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu PIB China Selic

Nova temporada de pânico fiscalista

Não só de resultado primário depende a estabilidade da dívida pública

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O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2025 (PLDO 2025) reduziu a meta fiscal de um superávit de 0,5% do PIB para um déficit zero. A Faria Lima rapidamente ajustou suas estimativas para um déficit de 0,5% do PIB e abriu a nova temporada de pânico fiscalista.

Alegou-se que o marco fiscal ficou fragilizado com a mudança de meta, que, pasme o leitor, está prevista nas próprias regras fiscais.

O Regime Fiscal Sustentável já inclui punições para o descumprimento da meta fiscal, como reduzir o ritmo de crescimento da despesa no ano subsequente a 50% das receitas, bem como o contingenciamento de gastos ao longo do ano.

Levando em conta as demandas da sociedade e das forças políticas no Congresso, o governo pode ajustar a meta fiscal para não sacrificar gastos essenciais diante da frustração de receitas. Ao calibrar a meta de resultado primário, o governo define o prazo de estabilização da dívida pública, mas paga um preço por isso: o mercado financeiro precifica essa escolha elevando o prêmio de risco sobre a taxa básica de juros cobrada nos títulos de dívida pública.

Contudo, o resultado primário é apenas uma das variáveis que afetam a trajetória da dívida pública.

O Boletim Focus mostra estimativas crescentes de atividade econômica para 2024 (de 1,5% para 1,95%), assim como é clara a tendência de queda da taxa Selic e da inflação. Esses fatores vêm ajudando a controlar o endividamento público. Segundo o Banco Central, a queda de um ponto percentual do IPCA reduz a dívida pública em R$ 17,7 bilhões. De abril de 2022 até março de 2024, o IPCA em 12 meses caiu de 12,13% para 3,93%. Considerando a inflação prevista de 3,5% 12 meses adiante, teremos um mergulho de 8,7 pontos percentuais, o que implica uma economia de R$ 150 bilhões em três anos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento do G20 em Washington - Diogo Zacarias/Divulgação/MF

O BC também mostra que um corte de um ponto percentual na taxa Selic, mantido pelo período de 12 meses, reduz em R$ 41,4 bilhões a dívida bruta. Em agosto, o início do ciclo de cortes da Selic completará 12 meses, e os efeitos cumulativos sobre a dívida pública aparecerão. A queda de 13,75% para 10,75% tende a reduzir a dívida em quase R$ 125 bilhões. O Monitor Fiscal do FMI (2024) reduziu, desde outubro passado, a estimativa de uma dívida bruta de 90,3% do PIB para 86,7%, em 2024. Para 2025, a queda foi de 92,4% para 89,3%.

Não há, portanto, indício de uma trajetória explosiva da dívida pública. O FMI estima a estabilização da dívida em 2027 e propõe um esforço de normalização fiscal de médio prazo, "protegendo gastos sociais prioritários e gastos com investimentos ao mesmo tempo". O relatório também mostra que as economias avançadas sustentarão déficits fiscais de 3% do PIB pelo menos até 2028. Essas economias respondem por 60% do valores gastos em políticas industriais no mundo. China e EUA têm trajetórias crescentes de dívida pública, mostrando seu pragmatismo em meio à corrida tecnológica pela descarbonização.

Nesse contexto, suavizar a trajetória de resultado primário do Brasil faz todo o sentido. O marco fiscal é multifacetado, tem várias camadas de controle e mobiliza todos os Poderes da República. Não só de resultado primário depende a estabilidade da dívida pública.

Melhorar a qualidade do gasto primário é importante, mas insuficiente. É preciso mais austeridade ao orçamento particular do rentismo: nos últimos 12 meses, o serviço de juros da dívida pública representou 75% da necessidade de financiamento do setor público, R$ 750 bilhões (ou 6,8% PIB).

É antidemocrático o veto da Faria Lima às medidas de restauração do bem-estar social. A imprensa deveria repercutir outras vozes além da Faria Lima para evitar essas ondas de pânico. É pedir demais?

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