André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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André Singer
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Um verbete chamado STF

Votações da última quinta (22) exemplificam a dificuldade de entender a lógica do Supremo

Sessão do Supremo Tribunal Federal durante votação de pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Sessão do Supremo Tribunal Federal durante votação de pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Carlos Moura/STF

Tudo pode mudar na votação do Supremo Tribunal Federal em 4 de abril. Mas os resultados que na última quinta (22) favoreceram o ex-presidente Lula mostraram uma incrível inversão no âmbito da corte.

Juízes progressistas nomeados por ele e Dilma votaram contra nem sequer examinar o pedido de habeas corpus do líder do PT, enquanto meritíssimos escolhidos por governos conservadores lhe concederam o benefício da dúvida. Como entender?

Antes de tentar uma explicação, convém lembrar Tom Jobim: o Brasil não é para principiantes. Segundo Ruy Castro, era uma blague do músico sobre livro publicado em 1961, chamado “Brasil para principiantes”. A Associação Brasileira de Ciência Política deveria publicar uma espécie de enciclopédia com a frase de Jobim por título.

Caso eu recebesse a incumbência de escrever item sobre o STF, usaria as votações de quinta como exemplo da dificuldade de entender a lógica nacional. Aparentemente, o problema passa por saber qual a posição de cada magistrado a respeito da Lava Jato

De um lado, há os que defendem a operação como causa republicana acima de qualquer outra consideração. Do outro, há os que entendem ter ela passado dos limites no que diz respeito ao uso arbitrário dos recursos a que tem acesso.

Trata-se, portanto, de assunto da maior relevância. Os ministros garantistas querem usar o caso Lula para limitar a latitude de ação de delegados, procuradores e juízes de instâncias inferiores. 

Se bem-sucedidos, prisões, conduções coercitivas e outras modalidades de pressão, cujo abuso podem levar a consequências funestas como o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (outubro de 2017), ficariam sob maior controle.

O grupo jacobino, no qual Luís Roberto Barroso ganhou ares de condottiero, parece preferir o risco dos excessos, se este for o preço de instaurar, finalmente, a igualdade no que diz respeito à aplicação das leis. 

O líder da turma igualitarista tem uma interessante formulação sobre como funciona a Justiça. “O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas”, escreveu Barroso em voto relativo à ação penal 470 (mensalão).

Exposto o fundo da divergência, poder-se-ia dizer que as duas partes têm parcelas de razoabilidade. E, de algum modo, expressam dilemas profundos do momento pelo qual passa a nação. Dormiríamos tranquilos, tendo encontrado a fórmula explicativa.

Mas, não. Pois restaria iluminar por que justamente juízes populares querem cassar o direito do principal representante popular recorrer em liberdade, enquanto juízes conservadores lutam para lhe dar tal prerrogativa. O verbete terminaria, assim, com uma interrogação.

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