André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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Privilégios em trânsito

Decisão do Supremo mantém a pressão contra políticos

Os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello, do STF, durante sessão em que a corte analisou a restrição ao foro privilegiado
Os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello, do STF, durante sessão em que a corte analisou a restrição ao foro privilegiado - Antonio Cruz/Agência Brasil

Ainda que sujeita a diversas especificações, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de restringir o foro privilegiado de deputados e senadores mantém a pressão contra os políticos em vigor nos últimos anos. 

Agora, se um parlamentar atropelar um transeunte, ele será julgado, talvez rapidamente, por um juiz de primeira instância. Os congressistas perdem parte do salvo-conduto que historicamente detinham.
Na prática, o direito de não ser julgado por autoridades locais, instituto que visa garantir a independência do legislador, funcionava para fugir ao império da lei. Abarrotados, os tribunais superiores deixavam o tempo passar, até que, muitas vezes, a causa prescrevia. 

De tal ângulo, a medida avança a igualdade. O problema é saber que sistema substituirá aquele que vem sendo destroçado desde o começo da Lava Jato. Lembrando-se que apenas o Legislativo foi afetado pela medida do STF, restando quase 38 mil autoridades com os privilégios intocados, juízes inclusive.

Notícias que chegam dos estados dão conta de que as alianças em montagem elegerão em outubro o mesmo tipo de personagem que hoje ocupa o Congresso. Ainda que as pesquisas de opinião revelem a desconfiança da população, não se consegue renovar uma camada social especializada em representá-la (?) da noite para o dia. 

Por outro lado, o espaço perdido pelos profissionais da representação foi ocupado por processos perigosos. Delegados, procuradores e juízes ganharam um poder extraordinário, fomentando o puro arbítrio. O caso emblemático do ex-reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), retomado há poucos dias por Veja e pelo jornalista Elio Gaspari, o demonstra.

Preso em outubro passado com base em suspeitas mal formuladas, Luiz Carlos Cancellier viu-se envolvido num suposto desvio de R$ 80 milhões. Na realidade, a soma correspondia a verbas para o ensino à distância e não fora desviada. 

Nem se sabe, pelo relatório da Polícia Federal finalmente acessado, qual seria o montante do desvio investigado (chega-se a falar em apenas R$ 7.102). Desesperado por ter a honra enxovalhada, o professor optou por se matar.

Outro setor ascendente é o dos hunos da extrema-direita, que se aproveitam do ódio à casta política para defender uma suposta purificação radical. Parte deles entende que apenas uma intervenção das Forças

Armadas conseguiria dedetizar a Câmara e o Senado. Vale lembrar que o golpe de 1964 adotou a mesma retórica, mas a corrupção seguiu.

Ao restringir o foro privilegiado, o STF adota um bom princípio. Mas, a esta altura do jogo, é impossível ter uma visão clara sobre o que resultará do complicado processo que ele envolve.

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