Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Laranjas e maçãs podres

Não vamos jogar o bebê fora com a água do banho

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O Brasil, mergulhando em infinitos desafios, tem acompanhado dia a dia o escândalo das candidatas-laranja do PSL —partido do presidente da República. São muitas as suspeitas de ilegalidades nas campanhas de candidatas do partido de Bolsonaro, bem como de outras siglas. O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, é um dos nomes de caciques partidários que teriam potencialmente liderado estratégia pouco republicanas, driblando as ações afirmativas para fazer valer interesses espúrios.

Aguardamos ansiosas a apuração de mais esse escândalo. Mas tememos muito que, seja qual for o destino dos protagonistas das denúncias, as cotas femininas e o acesso ao fundo partidário esteja correndo perigo. 

As eleições de 2018 inauguraram as regras arduamente conquistadas pelo movimento de mulheres: as cotas para candidaturas femininas acompanhadas de recursos do fundo eleitoral. Um passo importante para garantir que o Brasil transcenda uma condição trágica. De acordo com a renomada organização internacional Inter-Parliamentary Union, nosso país ocupa em 2019 a posição 133 no ranking Mulheres no Parlamento, que a IPU divulga anualmente para alertar sobre a dificuldade do acesso das mulheres aos espaços de tomada de decisão —e o Brasil sempre tem mal desempenho quando esse é o tema. 

Os dados mais recentes anunciados pela IPU mostram que apenas 15% dos assentos da Câmara brasileira são ocupados por mulheres. Temos apenas 77 mulheres na casa legislativa que abriga 513 deputadas e deputados. No Senado, a situação é ainda mais dramática: apenas 14,8% dos assentos são ocupados por mulheres. 

Até regimes sexistas que violam sistematicamente direitos das mulheres têm números melhores que os nossos. Aproximadamente 20% do poder legislativo saudita é composto por mulheres. É certo que essas legisladoras enfrentam infinitos desafios. Por vezes, por exemplo, precisam participar de reuniões remotamente por videoconferência pois, em determinadas circunstâncias, não podem estar ao lado de homens que não sejam de sua família. Mesmo assim, a Arábia Saudita está 27 posições acima da nossa no ranking da IPU. 

Nesse contexto, a cota de candidaturas femininas e a garantia de recursos do fundo partidário para suas campanhas é um imenso êxito. Encorajar mulheres a encarar o desafio de se candidatar é uma missão dura. Mas seria um esforço ainda mais inglório se não existissem boas condições garantidas para as que tem estâmina e coragem.

A ONU afirma que ações afirmativas como as que temos hoje têm sucesso comprovado e diminuem significativamente a subrepresentatividade feminina na política. É igualmente comprovado o impacto positivo de parlamentos onde a diversidade é regra.

Praticamente todos os casos de candidaturas de laranjas são de mulheres. Por quê? Pela mesmíssima razão que explica a necessidade de cotas e recursos para candidatas. Mulheres no poder são poucas, sua entrada em tais espaços é difícil, sua vida neles é precária. Convencê-las a entrar em esquemas ilícitos é fácil, uma vez que são o elo fraco da corrente. São vulneráveis. E vulneráveis dizem mais sim do que não diante dos poderosos. As laranjas não são nosso problema. As maçãs podres dentro dos partidos são.

Não nos surpreenderia ver o nosso país machista jogar o bebê fora com a água do banho e culpar os direitos pelos quais lutamos pela falta de idoneidade das lideranças que sempre se opuseram a tais direitos. A existência de ações afirmativas não é o problema. O problema é o mau uso que se faz delas.

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