Eis que, conforme amplamente anunciado, Jesus voltou. Não apareceu em Nova York ou Paris, no Vaticano ou Aparecida, nem mesmo na Judeia, Galileia ou Samaria. O filho de Deus reencarnou dentro de uma caçamba, às 14:37 de uma quarta-feira, atrás da Estação da Luz.
Do alto dos entulhos, pôs-se a falar e a cuidar dos enfermos e a acalmar os aflitos; a arrancá-los do vício e da solidão; e o vinho transformou em água e as pedras transformou em pão; e logo viram os que ali estavam que se tratava do filho de Deus; e a eles, ouvindo as boas novas, vieram se juntar muitos; e foi o fim de suas tribulações.
Então Jesus ajuntou consigo 12 mil fiéis e lhes deu autoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. “Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas.”
E por norte e sul e leste e oeste a multidão saiu a pregar; da Idumeia à Pompeia, da Pereia ao Perus, de Hebron a Higienópolis, pelo Moabe e por Moema; e por toda a Pauliceia, via WhatsApp, Facebook, Twitter e outras artimanhas de Belzebu a notícia corria; e era a notícia de que um herege se declarava filho de Deus; e contra os cidadãos de bem atraía gente diferenciada e invertida.
Quando estava Jesus, certo dia, a pregar do alto do Masp, atrapalhando o tráfego da Paulista, os fariseus enfim se encresparam; e contra Jesus e seus vagabundos enviaram legiões de furgões de centuriões bem ungidos no excludente de ilicitude.
Um pequeno diabo de coturno a serviço de um médio diabo de terno subiu no Masp e pegou Jesus pelo pescoço e o dobrou sobre o abismo e clamou diante da multidão: “Se és filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito; aos seus anjos ordenará a teu respeito, e eles te sustentarão nas suas mãos”.
Respondeu-lhe Jesus: “Também está escrito: não tentarás o Senhor teu Deus”. E todos riram e espezinharam do filho de Deus; e o cassetete fez as vezes da coroa de espinhos, e nos programas vespertinos comentavam “apanhou foi é pouco”.
Jesus então repetiu as palavras de Isaías: “Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos; e de nenhum modo percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido”; e eis que o centurião botou o cano da sua Taurus na boca de Jesus; e disse Jesus ao centurião; “Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem”. “Foda-se”, disse o centurião e pac! Bem mais simples do que uma crucificação.
“Que Deus é este?!”, vangloriavam-se os fariseus nos púlpitos, “Que caiu diante de um capitão?”; “Que Deus é este?!”, escarneciam os filisteus em seus gabinetes, “Que não resiste a um soldado e um cabo?!”. E reelegeram o Trump e reelegeram Bolsonaro e convenceram a todos que a verdade e a ciência e a decência eram conceitos criados pelo Paulo Freire para transformar seu filho em viado-comunista e queimaram —literalmente — o futuro da humanidade. E Deus viu que era ruim.
O primeiro anjo tocou a trombeta: “Foi queimada, então, a terça parte da Terra, e das árvores e também de toda erva verde”. [Aviso ao leitor: cito a Bíblia. É assim, segundo Deus, que o mundo acaba]. O segundo anjo tocou a trombeta “e uma montanha de fogo foi atirada ao mar; e morreu uma terça parte da criação”. “Caiu, caiu a grande Babilônia que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria e da sua prostituição”. E fim.
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