Ainda não vi o filme da Barbie — e não foi por falta de interesse. Li matérias e ouvi podcasts sobre a jogada genial da Mattel: pegar a maior perua da história dos brinquedos, o ícone antifeminista cuja cintura de pilão, segundo médicos, seria incapaz de conter dois rins, e tentar ressignificá-la com um filme feito por uma diretora indie e cool. É mais ou menos como se o Chiquinho Scarpa resolvesse se reposicionar no mercado simbólico gravando um vinil com o Tim Bernardes num bar em Santa Cecília.
Não assisti ao filme da Barbie porque, como roteirista desesperado que sou (somos), sempre de olho no próximo aluguel, vi no conceito a oportunidade de tirar uns caraminguás, pondo-me imediatamente a pensar em quais outros produtos podem se valer do audiovisual em busca de um rebranding completo. Posto-me aqui, portanto, ó grandes marcas do mundo, como um barbeiro a vosso dispor: faço barba, cabelo e bigode.
Alô, Hellmann's: um pote de maionese entra numa crise existencial e procura um terapeuta. O psicólogo (um nabo? Um gengibre? Um senhor de cavanhaque chamado Rui Barbo?) abre seus olhos para o mal que a maionese tem feito. O doutor leva o pote para conhecer a Rita Lobo e o Drauzio Varella. No mid-act clímax — o fundo do poço, num roteiro — o pote assiste a uma cirurgia de pontes de safena num ser humano e se vê cara a cara com artérias entupidas. A segunda metade do filme ainda está um pouco nebulosa, mas deve estar de acordo com um novo produto a ser lançado pela Hellmann's, uma maionese sem óleo nem ovo. Uma papa branca feita de tofu com óleo de coco. E, quem sabe, uma pitada de ruibarbo?
Alô, Tupperware: uma cumbuca é atirada num rio e vai parar em mar aberto, juntando-se a outras toneladas de plástico. É engolida por uma baleia e ali, na pacuera da cachalote, resolve dar uma guinada em sua vida. Faz uma cosquinha na pança do bicho, é expelida num jorro e junta-se a outras toneladas de lixo tóxico. Forma, assim, um Godzila sintético que dedicará o resto de seus dias a limpar os mares (e a jogar todo o lixo num Tupperware gigante, todo feito de plástico reciclável).
Alô, governo federal: vamos resgatar o orgulho nacional? Minha ideia é fazer um filme brasileiro em que um Bamba sofre bullying na escola. Todo dia ele é zoado por um Nike Air Jordan, um Asics Gel e uma gangue de Crocs. Até que é jogado numa caçamba de entulho, onde conhece um pé de Havaianas e um Kichute. Juntos, os três vencem os pisantes imperialistas ianques e conquistam os corações dos brasileiros.
Alô, tomate seco: taí um grande filme de superação. Quero fazer contigo, ó astro dos anos 90, o que o Tarantino fez com o John Travolta em "Pulp Fiction". Quem não se lembra dos dias em que não havia pizza, sanduíche, bufê ou mesa de casamento sem tomate seco? A superexposição, contudo, cobra seu preço. O mundo se empapuçou de tomate seco, hoje visto com o mesmo desdém do creamcheese no sushi. É filme pra chorar. Pra mexer no coração e no estômago de todos nós.
Essas são apenas algumas ideias. Tenho ainda muitas outras envolvendo propriedade intelectual de produtos que vão do Bombril ao chiclete Ploc, passando pela Jovem Pan. Caso alguém se interessar, por favor, cartas à redação. (Pego os freelas a partir de outubro. Até lá estou trabalhando no roteiro de "Susi" — por minha conta e risco). Obrigado.
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