Arminio Fraga

Sócio-fundador da Gávea Investimentos, presidente dos conselhos do IEPS e do IMDS e ex-presidente do Banco Central.

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Descrição de chapéu juros inflação

Brincando com fogo

Próximo governo vai precisar de visão e sangue-frio

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Faltam sete dias para as eleições. Desafios importantes seguem órfãos de diagnósticos e respostas concretas. O próximo governo terá que definir prioridades, com base em um cálculo transparente de custos e benefícios.

Nesse contexto, me chamou a atenção uma reportagem que saiu aqui nesta Folha no dia 15/9, intitulada "Economistas de candidatos sugerem licença para gastar em 2023".

Alguns parecem meramente resignados com a deterioração das contas públicas contratada pelo quem-gasta-mais na disputa eleitoral. Outros sinalizam que querem aumentar ainda mais a dívida pública, para investir e gastar no social. Trata-se de uma proposta obviamente desejável, mas para de pé?

A ilustração digital apresenta quatro dragões de corpo vermiforme, alados e com escamas cuspindo chamas. Eles estão posicionados cada um em um quadrante da tela, voltados para seu centro no qual existe uma chama. Em cada ponta da tela está desenhada uma torre em chamas. O fundo é bege e os desenhos são feitos com linhas pretas, as chamas são preenchidas de amarelo claro, os detalhes das caudas dos dragões e seus olhos de laranja e suas asas de rosa.
Ilustração de Lívia Serri Francoio

De cara, é essencial reconhecer que as estatísticas fiscais exibem relevante fragilidade. Após uma melhora recente nos resultados, em parte causada por fatores não recorrentes (juros baixos, salários congelados, inflação e preços de commodities altos), a trajetória de crescimento da já elevada dívida pública será retomada, podendo chegar a 100% do PIB ao fim desta década se providências não forem tomadas.

A relação entre o tamanho da dívida pública e quanto ela custa de juros merece reflexão. Há uma década a narrativa causal nas economias avançadas tem sido dos juros para a dívida. Por quê? Se um país consegue se endividar pagando taxas de juros muito baixas, até negativas em termos reais, por que não o fazer? Ora, assim tem sido feito.

No entanto, após esse período sem precedentes de dinheiro de graça e gasto público solto, vieram choques de custos como a pandemia e a invasão da Ucrânia, e a inflação saiu de controle. Agora, tudo indica que não vai ser fácil voltar às metas, sobretudo nos Estados Unidos, onde o mercado de trabalho está superaquecido, mas na Europa e no Reino Unido também.

Sinal disso é que as taxas de juros de curto e longo prazo nesses países já subiram bastante e podem subir ainda mais. Não se sabe quanto tempo vai durar e até onde vai esse período de ajuste nas economias avançadas. O que sabemos é que uma contração da liquidez nos países avançados em geral é presságio de problemas sérios nas economias emergentes, que já lidam com seus próprios desafios macroeconômicos.

No Brasil, a mera observação de que o governo paga juros reais de 6% em sua dívida indexada ao IPCA sugere que aqui a cadeia causal funciona na outra direção: o tamanho da dívida e seu crescimento aumentam os prêmios de risco e empurram para cima taxas de juros, alimentando um perigoso círculo vicioso de juros e endividamento. Esse quadro é reforçado pelo desmantelamento da Lei de Responsabilidade Fiscal e do teto de gastos, assim como pela rigidez e pelo tamanho dos gastos obrigatórios, pelo orçamento secreto e pela PEC Kamikaze.

Para o ano que vem, os melhores especialistas projetam um déficit primário de 1 a 2% do PIB. Urge definir uma estratégia clara de reconstrução fiscal, que de forma crível ponha em queda a dívida pública (como proporção do PIB).

Para tanto, seria necessária uma radical priorização do gasto público e a construção de um superávit primário que, sob hipóteses razoáveis de juros e crescimento, fizesse a dívida cair 1 a 2 pontos do PIB a cada ano.

A calibragem do exercício é bastante subjetiva. As hipóteses dependem de fatores qualitativos, tais como o bom funcionamento da democracia e das instituições, e algum consenso em torno de uma estratégia de desenvolvimento eficaz.

Em caso de sucesso, considero que seria suficiente chegar em três anos a um superávit primário recorrente de 3% do PIB, pois viabilizaria juros mais baixos e mais crescimento. Caso contrário, para equilibrar as contas, o esforço fiscal teria que ser maior, o que me parece totalmente impossível.

Ou seja, sem um governo que aposte na responsabilidade fiscal para garantir a responsabilidade social e o crescimento e tenha sangue-frio para empenhar seu capital político nesse caminho, estaremos condenados a ir para o brejo.

Infelizmente, o que se vê no debate eleitoral denota uma temerária complacência com o quadro fiscal, ilustrada pela aceitação de que é inevitável mais uma expansão, tal como começar a dieta com mais uma fatia de bolo, fumar mais um cigarrinho, tomar mais um golinho de cachaça. "Amanhã eu juro que paro." Mas esse amanhã nunca chega. A crise sim, chega.

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