Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino
Descrição de chapéu Coronavírus

Ômicron e a culpa dos não vacinados

No Brasil, onde tantos querem se imunizar, não vacinados são o resultado da negligência e do desamparo

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Decisões na pandemia sempre vão desagradar alguém. Especialmente quando restringem a liberdade ou o bolso. Por isso, quem decide adora um bode expiatório onde podem depositar a culpa. Quem morre de Covid-19 são só os fracos, é só trancar os idosos em casa, o vírus chinês… o que não faltou foram alvos simples para serem culpados por ações necessárias ou pela falta delas. E com o tsunami de casos da ômicron, o alvo agora são os não vacinados.

Os resultados de quase 190 mil dinamarqueses com Covid mostram que o risco de hospitalização da ômicron é de 65% em relação à variante delta. Para cada 100 infectados que a delta mandaria para o hospital, a ômicron manda 65. Números que ainda precisam passar pela revisão de outros cientistas, mas ainda indicam um futuro turbulento, principalmente onde falta vacina. Se a ômicron causa muito mais casos, apesar de ser uma fração menor ser hospitalizada, o número total ainda pode ser muito alto.

Profissionais da saúde atendem paciente em UTI destinada a pessoas com Covid, em hospital de Porto Alegre - Diego Vara - 14.jan.2022/Reuters

Botucatu, em São Paulo, deixa muito claro por que são as vacinas que estão fazendo a diferença. Com mais de 90% dos moradores com a segunda dose ou dose única e mais de 67% com dose de reforço, em 25 de janeiro a cidade bateu outro recorde, com 2.033 casos ativos. Mostrando que a ômicron se transmite entre vacinados. Mas apesar dos recordes, são 12 internados em enfermaria e uma pessoa na UTI com Covid. Porque as vacinas ainda protegem contra complicações.

Muito da gestão da pandemia tem sido ditado pela ocupação de hospitais. E quem ocupa hospitais são principalmente os não vacinados. No Reino Unido, por exemplo, mais de 60% dos leitos de UTI Covid são ocupados pelos menos de 10% da população que não se vacinou. No hospital Emilio Ribas, em São Paulo, quase 80% dos internados não completaram a imunização. E, como disse o premiê de Québec, no Canadá, as pessoas começam a ficar incomodadas quando percebem que a minoria que se recusa a se vacinar "atrapalha" a vida dos outros. Não só pelo fechamento para controlar os casos, mas também por conta de quem mais precisa de atendimento hospitalar por qualquer outra condição de saúde, como um câncer, e vê seu atendimento sendo adiado porque o hospital está lotado por quem escolheu não colaborar se vacinando. Não é à toa que tiraram o álcool e a maconha de não vacinados.

Quanto mais não vacinados internados, mais fácil fica o discurso de que eles são os responsáveis por parar tudo. Desde o ano passado o presidente dos EUA já se refere à "pandemia dos não vacinados". Como quem diz "se sua vida não voltou ao normal, é culpa de quem não se vacinou". Uma fala que tem base na realidade, mas distorce o real problema e naturaliza mortes que não precisam acontecer. Enquanto o vírus circula, todos estão em risco e podem precisar de leitos.

Essa atribuição de culpa também exime quem fala de tomar providências para resolver o problema elevando a vacinação. Aqui no Brasil, a falta de vacinas acontece pela falta de planejamento e de campanhas nacionais. Ao invés de visitar crianças com problemas cardíacos que antecedem a vacina infantil, o governo federal precisa ajudar regiões como o interior da Amazônia a chegarem no patamar de vacinação que as grandes metrópoles atingiram. Pelas próximas semanas o Brasil todo verá leitos enchendo. Mas as regiões com a pior infraestrutura de saúde também têm os piores índices de vacinação e seus poucos leitos serão muito mais necessários do que em regiões mais ricas. De novo.

No Brasil, onde tantos querem se vacinar e imunizar seus filhos, mais do que um alvo fácil para culpa, não vacinados são o resultado da negligência e do desamparo.

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