Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino
Descrição de chapéu Coronavírus

Trabalhando para mais crianças sofrerem

Com tanta negligência, o país regrediu muito na vacinação infantil

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Os primeiros locais afetados pela variante ômicron indicam que ela pode hospitalizar menos infectados do que ondas anteriores. Ela se espalha muito entre quem já foi imunizado por vacinas ou infecções passadas, mas esses casos parecem ser mais leves. Ou seja, devemos ver ainda menos hospitalizações entre os casos de brasileiros, já que tivemos muita Covid e tomamos muita vacina.

Mas enquanto adultos são poupados, as crianças são especialmente atingidas pela ômicron na África do Sul, no Reino Unido e nos EUA. Por isso, muitos países europeus correm para vaciná-las. Aqui, poderíamos aproveitar a vacina infantil contra Covid recém-aprovada pela Anvisa para fazer o mesmo, se não tivéssemos um ministro negacionista.

Garoto é vacinado contra o coronavírus em Berlim - Tobias Schwarz - 23.dez.2021/AFP

Desde 2020, registramos mais de 301 mortes por Covid entre crianças de 5 a 11 anos de idade, faixa protegida pela vacina aprovada. E o ministro que deveria zelar pela saúde alega que tantas mortes "estão absolutamente dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais". O governo federal já atacou o isolamento, tirou do ar os dados da Covid e lançou um aplicativo que sugeria cloroquina para bebês com febre. Agora o ministro da saúde aplica o negacionismo ao propor medidas como uma consulta pública descabida e exigência de prescrição médica e termo de consentimento dos pais para vacinar crianças contra Covid. A Anvisa consultou especialistas e sua aprovação dispensa a prescrição médica. E crianças costumam depender dos pais para passar no posto de saúde.

Nem parece o Brasil do Zé Gotinha, país que erradicou a poliomielite em 1994 com conquistas importantes que vão além da vacina infantil adotada em 1961. Em 1973 criamos o Programa Nacional de Imunização, que viabilizou a vacinação massiva pelo país. Esse PNI está sem comando pelos últimos 5 meses, depois do diretor nomeado ser vetado por… defender a vacinação de crianças e adolescentes. Em 1975, criamos o sistema de notificação de doenças transmissíveis que permitiu monitorar casos de pólio. Esse sistema ainda monitora casos de doenças como a Covid (Sinan), mas ele e outros dados do SUS como da vacinação estão fora do ar depois de um ataque hacker. Também contamos com a Fiocruz, que através da Bio-Manguinhos produziu uma formulação específica da vacina de gotinha para barrar a variedade do vírus da poliomielite que assolava o Nordeste, o que serviu de modelo de vacinação para toda a América Latina. A mesma Fiocruz que é alvo de ataques regulares pelo governo.

Com tanta negligência, o país regrediu muito na vacinação infantil. Estamos com a pior cobertura desde a década de 1980, voltamos a ter infecções preveníveis como o sarampo e corremos o risco da volta da pólio. E o aumento da fome aumenta a desnutrição infantil no Brasil, uma das maiores causas de perda de eficácia de vacinas.

Convivemos com a poliomielite tempo suficiente para ver suas sequelas em adultos paralisados. E sua vacinação foi recebida com festa. Na Covid, desenvolvemos as vacinas antes de reparar nas sequelas que as crianças terão. E pode haver relutância na vacinação infantil por parte da população, como acontece na Europa, mas não do ministro da saúde. Pelo menos 75% dos brasileiros concordam com a vacinação e já tomaram sua primeira dose. E entre os 25% que ainda não se vacinaram estão as crianças, que não podem se vacinar ainda graças ao ministro. Esse negacionismo do governo não reflete nossa vontade e contribui para a Covid matar e sequelar mais crianças e para enfraquecer ainda mais nossa proteção contra infecções infantis que levamos décadas para conquistar.

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