Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Imunidade parlamentar para mentiras?

Se aprovado, projeto de lei das fake news dará o instrumento para que uma classe de privilegiados possa desinformar sem moderação

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Em homenagem ao primeiro de abril, compilei mentiras contadas durante a pandemia. O resultado, uma lista com mais de 200 afirmações falsas, foi surpreendente e bem triste. Em parte porque olhar para a obra toda de uma vez choca pelo que passamos em dois anos de pandemia no Brasil. Tratamento precoce, negacionismo, falas contra vacinas, anúncios repetidos ainda em 2020 de que a pandemia já havia passado ou não seria grave, desprezo pelas vidas perdidas…

Em outra parte, o choque veio porque a grande maioria delas foi dita por alguma figura política. De vereadores a deputados estaduais, de deputados federais a senadores, de ministros ao presidente. Figuras que deveriam ser exemplo de conduta na maior emergência de saúde pública dessa geração fizeram afirmações que podem ser desmentidas com um artigo científico, uma reportagem, uma checagem de fontes ou de dados, ou mesmo pelo bom senso. Como quem trabalha na Lupa sabe dolorosamente.

O presidente Jair Bolsonaro é um dos agentes divulgadores de fake news e já teve posts nas redes sociais apagados por isso
O presidente Jair Bolsonaro é um dos agentes divulgadores de fake news e já teve posts nas redes sociais apagados por isso - Evaristo Sá - 4.ago.21/AFP

A maioria dessas afirmações foi feita ou replicada em redes sociais. Dado nosso perfil de consumo de informação, isso teve um efeito devastador no Brasil e contribuiu para ter mais gente se infectando por achar que a Covid não era grave ou que poderia ser tratada com remédio para piolho.

Dentre os acompanhados pelo Digital News Report do Reuters Institute, que estuda o consumo digital de notícias, o Brasil é um dos países que mais consomem notícias via redes sociais. Os brasileiros também estão entre os que mais comentam e compartilham o que leem. E entre os que mais fazem isso em grupos de WhatsApp e Facebook. Redes sociais são o meio por onde buscamos, espalhamos e criticamos informação, mesmo que venha originalmente de uma mídia tradicional.

Se grande parte da informação falsa é facilmente verificável, era de se esperar que as redes sociais agissem. E elas vêm fazendo isso. O Twitter suspendeu contas e o YouTube passou a remover vídeos com alegações falsas, por exemplo. Atitudes muito aprovadas pelos usuários, que ainda são mais voltadas para as eleições e poderiam nos poupar de muitas das mentiras que ouvimos na pandemia e que agora atrapalham a vacinação infantil.

Mas essa moderação pode estar com os dias contados, graças ao projeto de lei das fake news (PL 2630/2020). Na última versão apresentada, que está prestes a passar pelo processo de aprovação no Congresso, foi incluído um artigo que traz a imunidade parlamentar para as redes sociais.

Com esse gatilho, da maneira que o projeto de lei foi apresentado, eu ou você incitarmos pessoas à violência ou se chamarmos vacina de veneno em redes sociais, nossas postagens podem ser suspensas com base nos próprios termos de uso das plataformas. Já se um parlamentar ou se "contas de interesse público" fizerem isso, as postagens têm a garantia de ficar no ar —e também a garantia de serem circuladas por quem desinforma.

São milhões de brasileiros vivendo com sequelas da Covid e mais de 660 mil mortos. Ainda temos regiões como o Amapá onde menos da metade da população tomou duas doses da vacina. Temos índices cada vez piores de vacinação infantil.

São consequências mais do que suficientes para entender o impacto que figuras de interesse público podem ter quando desinformam a população em uma pandemia. Isso pensando só em informação sobre saúde.

Se o PL das fake news for aprovado como está, dará o instrumento para garantir uma classe de privilegiados que podem desinformar sem moderação e que teremos mais listas de mentiras e sofrimento evitável gerado por isso.

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