Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

A Covid virou outra doença

Sintomas em 2025 devem ser bem diferentes do que já vimos, felizmente

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Nos países europeus onde essa onda de Covid que enfrentamos já passou, o pico de hospitalizações foi menor e mais curto do que em ondas anteriores. Essa diferença pode estar muito mais em nossa imunidade do que no vírus, como a pandemia de 1918 pode mostrar.

Um dos maiores mistérios sobre a pandemia de gripe de 1918 é sua letalidade. A taxa de fatalidade por casos foi mais de 25 vezes maior do que a da gripe que vemos todo inverno, o que matou por volta de 1% da população mundial entre 1918 e 1919.

Uso de máscara voltou a ser obrigatório no transporte em São Paulo; apesar dos cuidados, recuperação da Covid tem sido mais rápida - Rubens Cavallari - 26.nov.2022/Folhapress

Por muito tempo só podíamos especular quem seria o causador desse estrago.

A partir da década de 90, pesquisadores conseguiram isolar e sequenciar o material genético do vírus de amostras de pulmão em coleções médicas e do corpo de uma inuíte enterrada no gelo permanente desde 1918. Para a surpresa de muitos, era o influenza causador da gripe que circula em humanos e porcos por mais de um século. E ele não tinha mutações conhecidas por tornarem doenças como a gripe aviária tão grave.

Cientistas chegaram a reconstruir o vírus de 1918 e infectar animais para descobrir que ele causa uma inflamação bastante grave. Mas não temos uma explicação completa do que transformou uma doença tão grave na gripe com a qual convivemos todos os anos.

Alguns também propõem explicações populacionais. Pode ser que só os mais resistentes à doença tenham deixado descendentes. Outra ideia é a do momento da exposição. Quando o influenza entrou na população humana, ninguém teria resposta imunológica para impedi-lo de invadir o corpo. O que explicaria efeitos neurológicos e outras sequelas graves que não vemos na gripe regular.

Já de 1920 em diante, depois de o vírus rodar o mundo, os únicos imunologicamente "virgens" a terem contato com ele são os bebês, que ainda podem sofrer doença grave, mas encontram o vírus em uma idade em que nossa capacidade de recuperação está no auge.

Segundo essa hipótese, se alguém crescesse hoje em uma ilha isolada, sem nunca ter tido gripe, e encontrasse o vírus aos 30 ou 60 anos de idade, ele poderia ser tão letal quanto foi em 1918.

Segundo essa hipótese, a imunidade parcial de todos adultos pode ser o que reduziu tanto a mortalidade da gripe ao ponto que vemos hoje. Provavelmente são vários fatores combinados que explicam essa mudança.

Podemos estar vivenciando essa transição da imunidade parcial com a Covid.

Quando o novo coronavírus começou a circular em 2020, ninguém tinha imunidade capaz de barrá-lo e a Covid tinha uma taxa de fatalidade parecida com a de 1918. Agora, quando a maioria da humanidade já se vacinou ou teve Covid, os casos recentes acontecem entre quem já tem imunidade parcial.

E seus sintomas estão mudando. Os sintomas mais comuns de 2020, como perda de cheiro, febre e dificuldade de respirar se tornaram mais raros, especialmente entre os vacinados. Agora, garganta coçando e nariz escorrendo são mais comuns e aparecem antes.

E a recuperação tem sido mais rápida. Sinal de que nossa imunidade está agindo (e causando sintomas gripais) antes de o vírus invadir o corpo e causar problemas mais graves. Ótimo e também um aviso de que as diferenças entre a Covid e a gripe estão se borrando.

A Covid em 2025 deve ser bem diferente do que já vimos, felizmente. Assim como a gripe mudou. Só que com uma grande diferença. Nos primeiros anos de Covid, nós vimos "só" cerca de 20 milhões de mortes. Passar por algo parecido com 1918 seria mais próximo de 80 milhões. A diferença, com dezenas de milhões de vidas salvas, se deve muito às vacinas.

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