Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Becky S. Korich
Descrição de chapéu
ansiedade Sigmund Freud

A solidão tem cura?

Desde cedo somos ensinados que estar sozinho é castigo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Vá para o quartinho do pensamento, fique um tempo sozinho para refletir, e só volte quando se arrepender". Desde cedo somos ensinados que estar sozinho é castigo.

Já reproduzi esse clássico "comando de isolamento compulsório" com meus filhos, sem me atentar a quantas mensagens subliminares equivocadas eles reúnem: a solidão como punição; a reflexão como imposição; o arrependimento por medo. São mensagens no mínimo contraproducentes e pouco educativas. E assim crescemos sob o estigma da solidão.

De fato, a solidão é uma das grandes preocupações de saúde do século 21 e foi classificada como um problema de saúde pública comparável ao tabagismo.

Pesquisas apontam que se sentir sozinho é tão prejudicial à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia, o que tem mobilizado políticas públicas para enfrentar o problema. Já existe uma comissão internacional encarregada de combater a chamada "epidemia da solidão" e Ministérios da Solidão (!) estão surgindo em alguns países, como o Reino Unido (em 2018) e o Japão (em 2021).

É inquestionável que o sentimento de solidão traz implicações importantes na saúde e no bem-estar das pessoas e da sociedade. Merece todas as atenções e cuidados. Mas o tema exige um olhar mais profundo.

A sombra de uma mulher num entardecer sentada em um balanço
Solidão é cada vez mais debate de saúde pública - Pexels

Comecemos pela própria definição de solidão. A natureza subjetiva e insidiosa faz com que ela seja facilmente confundida e associada à tristeza e a sentimentos negativos. Como consequência, instituiu-se o pavor à solidão, o que gerou a conspiração para erradicá-la. A introspecção nos intimida. Temos medo da solidão, porque não sabemos para onde ela nos levará.

O paradoxo, já sabemos: nunca estivemos tão conectados com o mundo externo e, no entanto, nunca nos sentimos tão solitários. Estamos permanentemente conectados, sem direito à privacidade e ao silêncio mental, tão necessário para a saúde e para a qualidade das nossas relações pessoais.

Lemos mensagens enquanto escovamos os dentes, ouvimos podcasts no caminho entre um compromisso e outro, jantamos com o celular na mesa, dormimos e acordamos conectados nas redes. Sem uma dose de solidão, não conseguimos nos conectar nem com os outros nem com nós mesmos.

A solidão não tem "cura": porque não é doença. Solidão faz parte da condição humana. Mais do que isso, é uma necessidade humana, assim como a frustração e a tristeza. Se a solidão fosse uma doença, saber como utilizá-la seria o próprio remédio.

Estando permanentemente online, permitimos que as fronteiras da privacidade sejam derrubadas e amplificamos o volume para vozes externas para abafar a nossa própria voz.

Freud, que relacionou a solidão com a ansiedade, observou que "nas crianças, as primeiras fobias relacionadas às situações são as da escuridão e da solidão".

Então, qual seria a solução, já que esse medo pode ser inato? A resposta mais lógica que encontro, é que devemos aprender a viver com a solidão, em vez de pretender erradicá-la.

A falta da capacidade de estar sozinho é tão ou mais grave do que a solidão em si. Acabamos administrando esse desconforto nos confinando em uma agenda frenética, contínua e exaustiva, para nos distrair de nós mesmos.

Estar cercado de pessoas não impede que o sentimento surja. Quem nunca esteve em um almoço de família, uma festa, ao lado do parceiro e ainda assim se sentiu solitário?

Nas tantas vezes em que vivo essa sensação e me sinto desconectada, admito que não são poucas, corro para me abrigar na solidão –nem que seja para proteger o meu lado estranho e preservar a minha liberdade mental.

Conseguir transformar a solidão na tão falada ‘solitude’ (do latim "a glória em estar sozinho"), é preencher o espaço vazio com beleza e aproveitar o prazer que só momentos de quietude podem proporcionar. Só assim, encontraremos na solidão, a companhia mais sociável que poderemos ter.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.