Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Descrição de chapéu tecnologia

A voz sedutora de Scarlett Johansson e a Inteligência Artificial

O novo ChatGPT ganha contornos antropomórficos com virtudes quase humanas

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A atriz Scarlett Johansson consegue fazer quase tudo parecer sexy. Considerada a Marilyn Monroe da modernidade, ela provoca um fascínio por onde passa.

Não bastasse seus atributos físicos —e seus mistérios metafísicos— Johansson foi agraciada com uma voz poderosa: meio rouca, meio sussurrada, aveludada, provocativa; uma voz "reconfortante", como adjetivou Sam Altman, CEO da OpenAI. Johansson, enfim, é tudo o que os homens desejam, tudo que as mulheres desejam ser ... e tudo que as assistentes virtuais desejam parecer ser.

Aproveitando-se disso, a OpenAI tentou seduzir seus usuários com a nova versão do ChatGPT que agora fala, lê e ouve em tempo real, com a sacada genial de pegar emprestada a dádiva vocal de Johansson. As pessoas que assistiram à apresentação no lançamento ficaram "chocadas" com a "assustadora semelhança" da voz da assistente Sky com a da atriz.

Scarlett Johansson em barco com montanhas ao fundo
A atriz Scarlett Johansson em cena de 'Viúva Negra' - Divulgação

"A voz de Sky não é de Scarlett Johansson e nunca foi planejada para se parecer com a dela", se defendeu o porta-voz da OpenAI.

De fato, eles podem não ter se inspirado na voz da atriz, mas sim na voz de Samantha, assistente de IA (coincidentemente interpretada por Johansson), por quem o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona no filme "Her" (2013).

Isso justificaria a explicação de que a similaridade com a voz da atriz foi "acidental". Outras coincidências, como o convite feito em setembro a Johansson por Altman para dar sua voz ao sistema, e a sua postagem no X com a palavra "She", na véspera do lançamento do produto, são meros detalhes.

De qualquer forma, para evitar mal-entendidos, a OpenAI suspendeu a Sky e manteve as outras vozes —Breeze, Cove, Ember e Juniper— que refletem a mesma estratégia.

O novo modelo, batizado de ChatGPT-4-o (de "omni"), usa uma linguagem senciente, aparentemente capaz de ter experiências sensoriais e emocionais. Segundo os apresentadores da OpenAI, eles só quiseram dar "um pouco mais de emoção, mais drama" ao aplicativo.

A impressão é de uma personagem feminina feita por (e para os) homens. A assistente pode ser interrompida no meio da fala, é ágil nas respostas e reconhece as emoções do usuário.

É uma IA sincera, subserviente, carinhosa, compreensiva, espirituosa, doce e literalmente incansável. Gosta de flertar e não pede nada em troca: nem presentes, nem agrados, nem atenção. Machismos à parte, o ChatGPT-4-o é uma réplica melhorada de nós mesmos.

A IA é uma ferramenta extraordinária na capacidade de realizar tarefas que exigem reconhecimento de padrões. Executando tarefas mecânicas com mais eficiência e rapidez, ela abre espaço e tempo para novas criações humanas.

A OpenAI foi mais longe. Criado para ser uma ferramenta —e não uma criatura—, como prometeu Altmann, o ChatGPT-4-o ganha contornos antropomórficos com virtudes quase humanas e consegue fazer com que os usuários acreditem nas interações como sendo reais.

A ciência explica: o cérebro é facilmente enganado por estímulos que simulam a realidade, especialmente quando eles se associam aos desejos.

Mas será que a IA conseguirá aproximar estes sistemas a algo parecido com a consciência? É possível construir máquinas à nossa imagem e semelhança, que tenham a capacidade de sanar as deficiências humanas?

Os desenvolvedores da tecnologia de IA tentam acalmar os nossos medos, assegurando que eles não têm intenção de usar criações humanas para transformar sistemas de IA em criadores hiperotimizados. Não é o que parece.

Não dá para saber se a IA será uma ameaça à humanidade, já que nem seus próprios criadores dominam o funcionamento dos sistemas.

Meu otimismo me faz acreditar que as máquinas, por mais convincentes que possam ser, até podem criar, mas nunca vão conseguir contemplar a sua própria criação por não serem capazes de sentir.

O ato de sentir é o que mais nos caracteriza como humanos e nos diferencia das formas artificiais de raciocinar.

O neurocientista português António Damásio, sempre brilhante, autor de "Sentir e Saber: As Origens da Consciência", enfatiza que embora a IA possa simular certos aspectos da cognição humana, ela essencialmente não tem a habilidade de sentir e ter consciência, capacidades próprias da inteligência humana.

Para Damásio, a IA não pode replicar as emoções e a consciência dos seres vivos, porque estamos profundamente enraizadas nos processos biológicos, inclusive na nossa corporeidade. "Sabemos que a mente está no nosso corpo porque sentimos o corpo, porque temos mente e correlacionamos isso com a informação extrassensorial que nos localiza no espaço", explica Damásio.

A IA venceu os humanos no raciocínio, mas não no pensamento, coisa bem diferente. O raciocínio conduz a determinados resultados partindo de alguns pressupostos, enquanto o pensamento gera os seus próprios pressupostos. O raciocínio, portanto, é essencialmente instrumental, o pensamento, existencial.

Max Tegmark, físico e pesquisador do Laboratório de IA do MIT, define bem a questão quando diz que não seremos mais a espécie sobre a Terra que se distingue pelo "saber", mas sim pelo "sentir". "Quando isso acontecer, talvez tenhamos que mudar nossa autodenominação de homo sapiens para homo sentiens".

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