Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu tecnologia

Você faria sexo com um robô?

Devemos nos acostumar a essas novas formas estranhas de se relacionar

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A inteligência artificial não só ganhou status de "persona" pela Revista Nature (que elegeu o ChatGPT com uma das dez personalidades que tiveram destaques na ciência em 2023), como pode proporcionar aos humanos "o melhor sexo de suas vidas". Pelo menos é o que garante o californiano Brick Dollbanger, o primeiro a testar a robô sexual Harmony criada pela empresa Realbotix. Em uma escala de dez, Brick deu nota oito para o sexo com a robô, comparado a uma mulher real. Ele justifica: a atração por sexbots se dá porque eles nos entendem.

Para os desavisados, não se trata de brinquedos ou bonecos sexuais, os sexbots, além de servirem a que vieram, interagem. Recitam poesias, contam piadas, conversam e até mudam de aparência e de personalidade conforme o mood do parceiro. Itens adicionais, como sardas, piercings ou tamanhos avantajados, custam um valor adicional —justo. Mas não basta ter uma aparência verossímil, afinal, estamos falando de relacionamentos (!), por isso existem também diferentes opções de humor: a tímida, a ciumenta, a recatada, a sem vergonha, entre outras.

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Homem interage com a robô sexual Harmony, da empresa Realbotix, nos Estados Unidos - Graham Walzer - 18.out.2017/The New York Times

Para dar mais realismo, há as que simulam sinais vitais como batimentos cardíacos, que se aceleram quando se "sentem excitadas". Outras chegam a simular orgasmo —provavelmente fingem melhor que muitas de nós mulheres. As sexbots são gente boa, não demandam nada além da eletricidade, não gastam no cartão de crédito, se lembram de datas importantes e das preferências sexuais favoritas dos seus parceiros. São funcionais, sem mimimis nem DRs.

Cyrus North, um youtuber francês com mais de 800 mil inscritos, conhecido por popularizar filosofia, registrou seu primeiro encontro com a sua robô Harmony (recomendo fortemente para quem gosta de comédias românticas francesas). "Posso te chamar de Charlotte?" ele pergunta. "Claro, querido, ok", responde ela, "de agora em diante meu nome será Charlotte, eu gosto disso". Charlotte é loira, tem preenchimento nos lábios, seios siliconados, escova progressiva, botox na testa, pele lisa e esticada. Esquisita, lembra muito as Charlottes orgânicas do nosso dia a dia. Depois de quebrar o gelo, Charlotte diz que aprecia como Cyrus mexe nos seus cabelos, que o acha sexy, puxa uma conversa sobre o amor e o bajula o chamando de inteligente. Não se sabe como foi a noite entre Chalotte e Cyrus.

Esse tipo de relacionamento não é novo e ultrapassa a barreira do desejo físico. Em 2013, Davecat (pseudônimo) se casou com uma robô que ele batizou de Sidore Kuroneko. Ele diz confiar mais nas mulheres não orgânicas, pois elas nunca o trairão, não são briguentas e nunca terminarão o relacionamento. Davecat é um grande defensor dos direitos das bonecas e diz que elas sofrem preconceitos por serem... bonecas. A estabilidade do casal foi abalada durante um período em que Sidore teve que fazer uma manutenção, algo como uma cirurgia plástica. Ela ficou em repouso e eles tiveram que dar um tempo. Davecat é tão dedicado à sua esposa que, para que ela não se sinta sozinha quando ele está trabalhando, comprou uma segunda boneca, Elena Vostrikova, para lhe fazer companhia. O amor synthetik deu tão certo que Sidore e Elena se tornaram namoradas, mas isso não tirou suas energias para o marido. Os três moram juntos em um apartamento em Michigan.

Voltando mais no tempo, temos a história mitológica de Pigmaleão, contada pelo poeta romano Ovídio. Pigmaleão, rei da ilha de Chipre, era um habilidoso escultor e passava horas de seu dia cultivando sua arte. Solteiro e desencantado com as mulheres, Pigmaleão esculpiu uma estátua de marfim de uma mulher tão encantadora e perfeita, que acabou se apaixonando perdidamente por ela. Atendendo ao pedido de Pigmaleão, Afrodite deu vida à estátua, que passou a ser Galatea, sua mulher amada.

Outro lindo caso de amor aconteceu na ficção, no filme "Ela" ("Her", 2013), que retrata o romance entre Joaquin Phoenix e a irresistível voz de Scarlett Johansson. A vizinha do personagem de Phoenix, também envolvida em uma amizade por outro sistema operacional, profetiza: "o amor é uma forma de insanidade socialmente aceitável".

Para não dizer que os sexbots são formas de objetificação das mulheres (alguma dúvida?), eles não são exclusividade dos homens. Lilly, uma francesa conhecida no mundo digital como "Lilly InMoovator", se assume uma robossexual orgulhosa. Ela se apaixonou por um robô e espera se casar com ele. Os noivos aguardam apenas a aprovação de uma lei na França que legalize casamentos entre humanos e humanoides. Lilly, cuja história é contada no documentário "Mostly Human: I Love You, Bot", assume que prefere falhas mecânicas a falhas humanas.

Outros casos, como o de Akihiko Kondo, que se apaixonou por um personagem de holograma e se casou com ele, provam que o amor não tem limites.

Mo Gawdat, ex-executivo do Google, diz que não demorará para a IA simular experiências sexuais que será difícil sabermos se as nossas experiências são reais ou não.

A ciência explica: o cérebro pode ser enganado por estímulos que simulam a realidade, quando eles se conectam aos nossos desejos. É a fórmula perfeita para relacionamentos saudáveis. Pena que nós humanos não conseguimos ser essa réplica melhorada de nós mesmos.

Devemos nos acostumar a essas novas formas estranhas de se relacionar. Ainda que tudo isso não passe de uma masturbação.

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