Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Descrição de chapéu juros inflação

Por que os juros precisam subir tanto no Brasil?

Particularidades do mercado de crédito brasileiro ajudam a explicar os juros altos

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Se juros altos são um remédio contra a inflação, as taxas de juros das últimas décadas parecem indicar que o Brasil precisa de doses muito altas do remédio. Faz sentido isso?

Na verdade faz. No Brasil, mudanças nas taxas de juros do Banco Central têm efeito relativamente pequeno no crédito. Isso explica, em parte, por que juros no Brasil precisam subir mais que em outros países para gerar um dado efeito na demanda e na inflação.

O Banco Central controla a taxa que o governo paga em sua dívida (a Selic), que é a taxa básica da economia. A Selic, por sua vez, afeta as outras taxas da economia. Juros mais altos tornam o crédito mais caro, o que reduz a demanda por bens na economia. Isso abranda a pressão sobre os preços (diminui a inflação), mas também desestimula a produção e as vendas.

Há, porém, duas particularidades do Brasil que afetam a transmissão de política monetária para o mercado de crédito. Na comparação com outros países, o Brasil apresenta: 1) uma proporção muito maior de crédito direcionado; 2) uma diferença muito maior entre as taxas de juros pagas pelas pessoas e a taxa básica do Banco Central.

O crédito direcionado é aquele que precisa, por lei, fluir para setores ou fins específicos. Em geral, as taxas de juros nessas modalidades não reagem a mudanças nas taxas de mercado.

Por exemplo, a poupança rende 6,17% ao ano mais a TR, que reage muito pouco a mudanças na taxa Selic. Muito dos recursos da caderneta de poupança precisa ser usado para financiamento imobiliário. Essas taxas não devem responder a mudanças na taxa Selic.

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Casas do programa Minha Casa, Minha Vida em Garça (SP) - Alf Ribeiro - 16.ago.20/Folhapress

Algo semelhante acontece com boa parte do crédito agrícola.

Até pouco tempo atrás, os juros de empréstimo do BNDES não tinham relação com as taxas de mercado. Isso mudou em 2018, quando foi instituída a TLP. Ainda assim, essas taxas de juros de longo prazo são afetadas por muitas outras coisas além da política monetária. Por exemplo, falas do presidente que geram insegurança sobre a inflação a médio prazo chacoalham essas taxas.

A segunda particularidade brasileira é que o spread bancário é muito alto. A diferença entre as taxas cobradas pelos bancos e a taxa básica da economia é muito maior que na maioria dos países parecidos com o Brasil.

Por exemplo, as taxas de juros do cheque especial andam perto de 8% ao mês. Suponha que o Banco Central reduza as taxas de juros em 0,5% (ao ano), de modo que a taxa mensal caia de, digamos, 1,08% para 1,04% ao mês. Se pessoas físicas pagam juros de 7,87% ao mês, a queda para 7,83% afetaria o quê? A diferença é tão grande que nem é claro que essa taxa reaja a mudanças na Selic.

Por causa dessas duas particularidades, o efeito de mudanças na taxa de juros do BC nas taxas de mercado é menor no Brasil que em outros países. Estudos empíricos corroboram essa tese.

Como boa parte do mercado de crédito é pouco afetada pela taxa Selic, o BC precisa aumentar mais os juros para obter um dado efeito na demanda (e na inflação).Para aumentar a sensibilidade das taxas de mercado às taxas de juros do BC, precisamos de medidas que reduzam os spreads bancários, atrelem as taxas do crédito direcionado à taxa Selic ou cortem o crédito direcionado.

Seguindo uma lógica parecida, uma redução no crédito do BNDES (gerada, por exemplo, por cortes nos subsídios) abre espaço para um aumento no crédito na economia (ou seja, para uma queda nas taxas de juros de mercado) sem gerar inflação. Isso explica em parte a grande queda na taxa de juros, sem aumento de inflação, iniciada em 2017. Ou você acha que foi porque o presidente Temer não gostava dos rentistas?

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