Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bernardo Guimarães
Descrição de chapéu Copa do Mundo feminina

QWERTY e a Copa do Mundo

O futebol feminino me faz lembrar do teclado do meu computador

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Começou na semana passada a Copa do Mundo feminina. Há algum interesse do público, mas a temática Barbie faz mais sucesso que o verde e amarelo nas lojas da cidade.

Há tentativas de fazer o futebol feminino pegar. Cobra-se atenção da imprensa, funcionários públicos poderão chegar mais tarde ao trabalho em dias de jogos do Brasil, ativistas puxam o assunto nas redes sociais.

Será que vai pegar?

Esse caso me faz pensar no teclado do meu computador —e do seu telefone.

Teclado de computador - Gabriel Cabral/Folhapress

QWERTY. Criado há 150 anos, esse tipo de teclado acabou virando o padrão da indústria. Sua configuração permitia rapidez na digitação e pouco travamento de teclas —uma questão importante para as máquinas de escrever de então, mas irrelevante hoje em dia.

Nos anos 1930, August Dvorak criaria uma alternativa ao padrão QWERTY. Dvorak argumentava que seu padrão permitia maior rapidez e conforto ao digitar. Não é claro se de fato era melhor, mas pior não parecia ser.

Ainda assim, nem essa nem qualquer alternativa desbancou o teclado QWERTY. Até hoje, utilizamos uma configuração desenvolvida para quem usava máquinas de escrever para datilografar textos em inglês no século 19. Não porque alternativas são piores, mas porque não são melhores a ponto de valer a pena fazer a transição.

No jargão dos economistas, nós nos coordenamos no padrão QWERTY.

Foi também na segunda metade do século 19 que o futebol começou a ser jogado no mundo todo com regras bem parecidas com as de hoje.

Na época, futebol era para homem.

Assim, nós nos coordenamos.

Hoje em dia, dezenas de milhares de pessoas lotam o Morumbi para ver o time masculino do São Paulo jogar no Campeonato Brasileiro. A renda de cada jogo é contada em milhões de reais. Crianças conhecem os titulares e os reservas da equipe. Que menino não sonhou em ser um jogador de futebol?

Os números do campeonato feminino de futebol são bem mais modestos. Muito menos gente conhece as jogadoras do time para que torce. As crianças não voltam da escola cantando "toca na Amanda Gutierres que é gol".

Coordenação é importante para esportes. Gostamos de assistir aos jogos a que nossos amigos assistem, torcer para (e contra) os times para os quais outras pessoas torcem.

Por questões históricas que afetaram a coordenação, críquete é enorme na Índia, mas irrelevante na maior parte da Ásia (e do mundo). Joga-se rúgbi na Inglaterra e futebol americano no outro lado do Atlântico.

Muitas crianças torcem para o Corinthians porque seus pais torciam. E torcem para o time masculino. Um clube chamado Rio de Janeiro FC, bem administrado, com uma camiseta bonita e bons jogadores, demoraria décadas para ter uma torcida como a do Flamengo. Ou do Botafogo.

Contudo, não é só coordenação que importa. Futebol é popular no mundo todo. Campeonatos de judô não atraem público parecido porque assistir a futebol é mais divertido.

Será que, com o tempo, a atenção que prestamos aos campeonatos masculino e feminino de futebol será mais parecida? Como no vôlei ou no tênis, por exemplo?

Como coordenação é importante de modo geral, faz sentido algum esforço para chamar a atenção do público para o esporte. Talvez, com o passar do tempo, o futebol feminino comece a encher estádios e ter uma dimensão maior.

Para isso, o futebol feminino precisa atrair quem gosta de assistir a futebol. Ser popular entre quem gosta de equidade de gênero não vai ajudar tanto.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.