Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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As janelas inglesas e as distorções dos impostos

Regimes especiais de tributação afetam como, o que e quanto produzimos

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O estranho caso das janelas desaparecidas.

Inglaterra, 1750. Estima-se que quase 20% das casas tinham nove janelas. Menos de 10% das casas possuíam sete janelas ou menos.

Quinze anos depois, em 1765, 27% das casas teriam apenas sete janelas.

Esse curioso sumiço de janelas é bem conhecido e os números estão no trabalho de Wallace Oates e Robert Schwab. Nos livros de microeconomia, é um exemplo concreto do efeito de impostos nas decisões das pessoas.

Antes de 1761, casas com até nove janelas eram isentas de impostos; a partir de então, as que tinham oito ou mais janelas passaram a ser tributadas.

Então, para não pagar o imposto, os proprietários fechavam com tijolos a janela do quarto de dormir para ficar dentro do limite de isenção. Essa foi uma das formas utilizadas para reduzir o número de janelas das casas inglesas no século 18.

Fachadas de casas no interior da Inglaterra
Fachadas de casas no interior da Inglaterra - Gonzalo Facello na Unsplash

No Brasil de hoje, janelas não são tributadas, mas regras de eligibilidade a regimes especiais de tributação distorcem as decisões das pessoas.

Empresas que se enquadram na categoria de microempreendedor individual pagam bem menos imposto. Há, porém, um teto para a receita da empresa. Muitas ficam justamente nesse limite. Usando dados de pequenas empresas em Sergipe, Enlinson Mattos e Marcos Nascimento mostram que há três vezes mais empresas logo abaixo do limite do que você encontraria se não houvesse essa mudança na tributação.

Esses exemplos simples ilustram as distorções causadas pelas regras de tributação.

Para cobrir suas despesas, o governo precisa tributar. Uma discussão é sobre quanto o Estado deve gastar e, consequentemente, arrecadar. Outra é sobre como deve ser a tributação.

A discussão, em geral, gira em torno dos efeitos distributivos das mudanças nas regras de tributação. De fato, subsídios, regimes especiais de tributação e mudanças em alíquotas de impostos afetam nossos bolsos diretamente.

Só que as regras de impostos não determinam apenas quem paga a conta.

Impostos e regimes especiais de tributação fazem com que janelas deixem de existir, empresas produzam menos, motocicletas sejam montadas em Manaus e transportadas até São Paulo.

Fábrica da Honda em Manaus - Honda/Divulgação

Impostos fazem com que perfumes e livros com custos semelhantes sejam vendidos ao consumidor a preços muito diferentes por causa do alto IPI sobre cosméticos. Como preços afetam nossas decisões de compra, impostos modificam o que consumimos e produzimos.

Por causa das regras de tributação, pessoas criam empresas para substituir a carteira de trabalho por notas fiscais. Funcionários recebem vale-refeição. Assim, muitas pessoas trabalham em empresas que emitem vouchers ou fazem contabilidade de firmas que não precisariam existir.

Essas pessoas poderiam estar empregadas na produção de outras coisas. Se assim fosse, teríamos mais para consumir e investir. O PIB seria maior.

Impostos determinam se vale a pena comprar carros híbridos e painéis solares. Assim, mesmo sem mexer nas nossas janelas, as regras tributárias afetam a qualidade do ar que respiramos.

Por causa disso tudo, questões tributárias têm dominado o noticiário econômico desde o início do ano. Os aspectos distributivos são importantes. Queremos regras justas. Mas precisamos lembrar que os impostos afetam como, o que e quanto produzimos —e às vezes nos levam a gastar para fechar nossas janelas.

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