Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Bernardo Guimarães

As emendas do orçamento e a saúde dos bebês

Acesso a cisternas em locais prioritários afeta a saúde de recém-nascidos

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Em muitos municípios do Nordeste brasileiro, as pessoas precisam percorrer quilômetros para encontrar água potável. Um programa do governo federal busca construir cisternas para armazenar água na época de chuvas e resolver esse problema.

Contudo, como tem mostrado a Folha em uma série de reportagens, cisternas estão sendo construídas não onde são mais necessárias de acordo com estudos técnicos, mas onde aponta o interesse político.

Quão importante é esse problema?

Imagem colorida mostra uma casa de parede bege, à direita; do lado esquerdo, uma cisterna branca tem um cano lingando à casa
Cisterna construída pelo Programa Cisternas na comunidade de Esporas, na cidade de Coração de Jesus, região norte de Minas Gerais - Adriano Vizoni - 13.dez.21/Folhapress

Um trabalho de Daniel da Mata, Lucas Emanuel, Vitor Pereira e Breno Sampaio, publicado no início deste ano, nos traz respostas a essa pergunta.

Os autores estudaram os efeitos do programa de construção de cisternas na saúde de crianças ao nascer. Comparando mulheres que tiveram bebês no mesmo mês, mas tiveram acesso a cisternas em diferentes estágios da gravidez, eles estimam o efeito no peso dos recém-nascidos, utilizando técnicas estatísticas apropriadas.

Um primeiro resultado é que o acesso a cisternas leva, em média, a um ganho de peso dos bebês ao nascer. O fato de esse efeito ser detectável por testes estatísticos evidencia a importância de facilitar o acesso a água potável na região.

O efeito, porém, não é o mesmo em todos os locais.

Para casas próximas a fontes de água potável, os testes estatísticos não captam um efeito de cisternas no peso de recém-nascidos. O impacto pode existir, mas não é grande o suficiente para ser detectado pelos testes.

Por outro lado, para casas com uma distância até fontes de água superior a 3 quilômetros, o efeito é muito forte. Há bastante incerteza nas estimativas, mas os resultados sugerem que nesses locais, o acesso a cisternas durante todo o período da gravidez aumentaria o peso dos recém-nascidos em cerca de 100 gramas, em média.

Os efeitos devem ser heterogêneos. Algumas famílias conseguem comprar ou buscar água; outras têm mais dificuldade. Um efeito médio desse tamanho significa que em vários casos, cisternas nesses locais são cruciais para o bebê nascer com saúde.

Estudos técnicos da Embrapa mostram os locais que mais precisam de cisternas. Contudo, elas estão sendo construídas em municípios com padrinhos políticos em detrimento a locais mais distantes de fontes de água.

O trabalho mostra que essa má alocação de recursos públicos tem um forte impacto negativo na saúde das crianças. Acho difícil exagerar o tamanho desse problema.

Cisternas requerem manutenção para evitar que a água fique infectada. O estudo mostra que isso é de fato muito importante. Os autores mostram que os efeitos positivos das cisternas estão concentrados em mães que têm pelo menos três anos de estudo, e que mães com esse mínimo de educação são mais propensas a realizar os procedimentos para tratar a água.

Construir cisternas, então, não resolve todo o problema. Mas ajuda muito.

Talvez, quem sabe, a atenção dada a esse problema faça com que estudos técnicos tenham um peso maior na determinação dos locais para construção de cisternas. Escrevemos com uma ponta de esperança.

O ponto mais geral é que temos um grande problema na alocação de recursos públicos e muito incentivo para os eleitores nesses municípios votarem num padrinho político que participe desse jogo.

Temos a tecnologia. Temos os recursos. Sabemos onde as cisternas devem ser construídas.

Porém, não temos um sistema político que funcione suficientemente bem para que o dinheiro seja investido onde ele é mais importante. Mesmo num caso em que a consequência para a saúde das pessoas aparece até no tamanho dos bebês.

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