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Coronelismo redivivo

Políticos usam emendas parlamentares para explorar seca no NE em troca de votos

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Cisternas estocadas em um depósito atrás de hospital em Santa Filomena (PE) - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Ainda que sem ilusões, o jurista Victor Nunes Leal encerra com moderado otimismo o clássico "Coronelismo, Enxada e Voto", no qual analisa uma trama de poder que, durante a República Velha (1889-1930), ligava coronéis, governadores e presidente. Passados 75 anos de publicada a obra, seria inevitável a consternação de seu autor.

Não por que tenha ficado inalterado o coronelismo. Este, pela definição de Leal, dependia das condições econômicas e políticas daquela quadra; imaginava-se que, evoluindo o país, chegaria um momento em que o sistema representativo viria a sepultar aquela estrutura de coerção e cooptação.

O que transcorreu, entretanto, foi pior que a paralisia. Ecoando Lampedusa, tudo mudou no coronelismo para que ele permanecesse igual, inclusive em uma de suas facetas mais abomináveis: sua vitalidade é diretamente proporcional ao desamparo dos cidadãos.

Reportagens da Folha mostraram como poucos desamparos são tão cruéis quanto a privação de água, uma situação que assombra diversas cidades do Nordeste.

No sertão de Alagoas, por exemplo, agricultores fazem peregrinações diárias para coletar água. Quem não tem saúde para o percurso de 10 km precisa contratar ajuda, mas o dinheiro sai do mesmo bolso que pagaria pela comida. Tamanho sacrifício, não há como não dizê-lo, é desumano.

Em Betânia do Piauí (PI), onde água encanada é uma miragem, moradores dependem de caminhões-pipa, mas, a 30 km dali, a população de Santa Filomena (PE) conta com generosa entrega de caixas-d’água. Um tanto mais ao sul, em Campo Formoso (BA), as cisternas são repassadas a conta-gotas a quem vive na cidade.

Privados de um bem básico, os munícipes ficam nas mãos desses coronéis de hoje em dia, que, assim como os do passado, exploram a penúria com finalidades eleitorais.

Em sua versão moderna, a patifaria envolve a satisfação de direitos em troca de votos; uma vez eleitos, os políticos controlam a distribuição de verbas federais, sobretudo por meio das famigeradas emendas parlamentares; e tais verbas realimentam o ciclo vicioso.

Num desdobramento que Victor Nunes Leal não tinha como antever, deputados como Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Fernando Filho (União Brasil-PE) agora exercem seu mandonismo tanto em nível local como federal, pois também pressionam a Presidência com seus votos na Câmara.

O Congresso obteve e quer mais protagonismo e poder sobre o Orçamento, o que tem sua razão de ser. Que assuma, pois, maior responsabilidade quanto à qualidade das políticas públicas e os desmandos na alocação de verbas.

editoriais@grupofolha.com.br

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