Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

Feche o aplicativo de namoro, a pessoa da sua vida acaba de anunciar um sofá

Duvido que eu viveria experiências tão ricas se escolhesse todos os móveis no shopping

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É foda. Desculpe a expressão logo no primeiro parágrafo, mas se trata de um fenômeno social. Deu até no The New York Times: "Fear of Dating Again". O medo de sair com alguém depois de, bem, tanto perrengue.
Se for o seu caso, há uma opção suave para se reconectar. Feche o aplicativo de relacionamentos e instale o de classificados, pois móveis usados podem tirar você da solidão com índice maior de sucesso.

Descobri esse potencial ao vender uma mesa de jantar para uma família de belgas. Papo vai, papo vem, a simpatia foi tão mútua que acabei convidada para cear em minha própria ex-mesa —e isso já faz dez anos. Após trocentas refeições e nossos filhos que viraram amigos, o casal se separou. Ele ficou com a mesa. Ela, com as cadeiras. E eu sou o espólio de ambos.

Comprando também criei vínculos, pois a palavra de ordem aqui nunca foi "desapegar". Da senhorinha judia de quem adquiri uma mesa de pingue-pongue recebo ótimas dicas de séries israelenses. O homem que estava se desfazendo de uma cômoda e se mudando para a Nova Zelândia me envia cartões postais até hoje. E, no restaurante da moça com quem negociei uma penteadeira, a sobremesa é sempre por conta da casa.

Recentemente anunciei uma mapoteca, arrematada por um médico que é ao mesmo tempo encadernador. "Peraí, não foi você que vendeu uma poltrona para a minha vizinha?" Eu mesma. "Puxa, era o assento mais disputado nas festas. Quando der, venha a uma delas!" Disse ele, após me passar uma receita e encadernar um livro. Ora, que app misturaria saúde, literatura e baladas assim?

Ilustração de uma pessoa muito espantada ao lado de um móvel antigo que está com uma etiqueta de preço. A pessoa diz "Tem um cara aqui dentro?!" e dois olhos que estão saindo do móvel respondem "Oi, miguxo!". O fundo é uma parede laranja.
Ilustração publicada neste domingo, 8 de agosto de 2021 - Marcelo Martinez/Folhapress

Fora do espectro da amizade, já recebi convites para cafés, mas preferi comprar a cafeteira mesmo. Ali, no caso, era mais negócio. Tenho certeza, porém, de que esse método se aplica perfeitamente à pegação. Pensa comigo: pindaíbas à parte, são pessoas encarando um processo de mudança, separação ou mera sede de novidade. Em suma, é oportunidade pintando.

Só sei que nunca deixo de me surpreender com os afetos que ganho de brinde. Duvido que viveria experiências tão ricas se eu achasse tudo no shopping. Tá, um conhecido começou a namorar a vendedora que lhe orçou um armário embutido, mas o relacionamento durou menos do que o parcelamento no cartão. Eu sabia. Bens foram feitos para circular, então se joga nesse rolo. Vai garimpar.

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