Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Doze ovelhas para Jacinda

Lidar com vulcões, vírus letais e crianças insones exige muita energia feminina

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Por várias noites, ao longo de dois anos, me apaziguava pegar no sono sabendo existir uma pessoa como ela. À frente de um país com 12 ovelhas para cada cidadão e um terço da população da Bahia, mas acreditando que cada indivíduo não só conta como representa todos os que hiperlotam o planeta com as mesmas angústias existenciais.

Ler sobre a renúncia da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, me afetou. Não pelo cenário político da Oceania, quiçá da internacional. Isso cabe a outras editorias. Minha relação com a terra que os maoris chamam de Aotearoa é diversa.

Lá vivi uma doce experiência de quase morte, sendo acudida por uma Mamãe Noel pilotando uma ambulância. Visitei plantações de kiwis gigantes. Estive em pracinhas com crianças e totós brincando perto de poças fumegantes de enxofre. E em Auckland, maior cidade da nação, testemunhei o hábito que vários moradores têm de andar sistematicamente descalços pelas ruas.

Na ilustração de Marcelo Martinez: uma pessoa tenta dormir, mas sobre sua cabeça há uma pilha de ovelhas, uma sobre a outra.
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 23.jan.2023 - Marcelo Martinez

O que mais me impactou, porém, foi a vida brutalmente pacata e segura, com IDH deslumbrante. Para a subdesenvolvida que sou, uma fantasia acessível apenas a hobbits e elfos, posto que filmaram a Terra Média de J.R.R. Tolkien por ali.

Durante a pandemia, Jacinda tornou-se um farol em nossa desesperança brazuca. Sem minimizar a "gripezinha" ou zombar da falta de ar dos doentes, mandava trancar a NZ a cada nova leva de infectados. Por menor que fosse. O que solucionou a transmissão, mas fez despencar sua popularidade diante de uma recessão inevitável.

Ao pedir para sair, alegou dúvida sobre ainda ser a pessoa certa para governar, sobretudo sobre falta de energia. "Ela está fugindo porque sabe que será escorraçada", bradou a oposição. "Falta mesmo energia". Opa, peraí.

Jacinda, em quase seis anos no poder, lidou com o coronavírus, o tiroteio numa mesquita e a erupção de um vulcão que matou gente. Mais coelhinho da Duracell do que isso só se lembrarmos que ela pariu no meio do mandato e entrou para a história como a primeira líder mundial a discursar na ONU com bebê a tiracolo. Fora as lives oficiais interrompidas pela filha que não conseguia dormir. Se isso não é ter a energia de duas Itaipus neozelandesas, que venha o apagão.

Com apenas 29% de intenção de voto em pesquisa de dezembro, Jacinda —que do outro lado do mundo tanto nos serviu de alento– se retira. Espero, de verdade, que as 12 ovelhinhas que lhe cabem sejam tão empáticas quanto ela foi. Sobretudo social-democratas. E que a ex-líder possa sempre contá-las ao deitar a cabeça em paz no travesseiro.

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