Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Micromágoas não têm cura e vão continuar desafiando a ciência

Elas são pequenas demais para provocar rupturas, mas doloridas o suficiente para habitar a epiderme do nosso ridículo

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Toda semana, é preciso ter um assunto diferente. Que não seja incompreendido por quem clica e lê só o título. Ou ignorado pelos que usarão o jornal para forrar gaiola, embrulhar peixe, limpar vidraça ou acender churrasqueira. Isso eu deixo para ser micromágoa da Folha de S. Paulo.

Hoje quero focar nas nossas micromágoas – pessoais e intransferíveis. Diminutos rancores aos quais vivemos abraçadinhos.

No cartum de Marcelo Martinez: um homem, de cara emburrada, anda pela rua. Ele é acompanhado por suas pequenas mágoas, representadas por nuvenzinhas de chuva e trovoadas. Uma nova pequena mágoa se junta ao grupo, já resmungando: "Ah, racha a conta por todo mundo'... e eu só bebi uma água!"/
Ilustração de Marcelo Martinez - Marcelo Martinez

Pequenos demais para provocar rupturas, mas doloridos o suficiente para habitar a epiderme do nosso ridículo. Como um presente que você ganha, sabendo ter sido repassado por alguém que não gostou.

Já escrevi sobre este tema antes, é verdade, mas micromágoas são como porquinhos-da-índia. Cabelos brancos. Gremlins. Não param de se multiplicar.

Tanto que, neste exato momento, alguém nos lê sinceramente sentido por ter sido marcado feio numa foto em que todo mundo saiu lindo. Ou por ter tido que dividir uma conta de bar por igual, após uma mísera água com gás. O resto da mesa tendo enxugado o estoque de cerveja da Ambev.

Micromagoar-se é acalentar a expectativa de uma lingerie, mas a realidade oferecer um jogo de panelas. Emprestar uma roupa que vai impecável, mas volta com uma mancha que é melhor nem perguntar do quê. É ganhar uma fatia de bolo por último, depois até do cachorro, que nem comer bolo pode.

Receber visita após três dias de trabalho de parto e ouvir que aquele joelho em forma de gente é igualzinho ao pai. É ser o lado que só ouve o "eu também" do "eu te amo". E sem poder reclamar, porque tem réplica que é um "vai, Curíntia!" distraído, olhos fixos no Brasileirão.

Aliás, taí. A retroalimentação da micromágoa costuma se dar por quem diz que ela poderia ser pior. "Isso é besteira". "Ai, que frescura", afirma em geral a pessoa que faz playlist de viagem apenas com músicas que ela gosta. Comenta que, nossa, você engordou. E que tudo visualiza, mas nada curte.

Sem cura, as micromágoas seguirão desafiando a ciência. Ainda assim, levo fé no chá de camomila moral que é a gentileza.

Gratuita, inesperada, esfregada na sua cara feito a brutal ternura de quem calça suas meias enquanto você dorme e ganha mais uns minutinhos. Deixa o pó de café e a água na medida e no lugar certos, antes de sair. Pergunta como foi seu exame.

Seu dia. Não sabe seu aniversário, mas tem anotado em letras garrafais numa agenda de papel. Já pede pizza para dois sem azeitona. E compra o jornal no dia em que sua crônica é publicada. Toda gentileza é sempre macro.

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