Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Os volumes de livros proibidões nas mais pudicas estantes

Luxúria, devassidão e o hábito sem vergonha da leitura, mas só até a página dois

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Vovó se acreditava discretíssima, tendo encapado com papel de embrulho da Mesbla aquele livro com aura de pecado. "Devassidão pura", nas palavras de suas colegas da missa.

Nada mais bandeiroso e lascivo, contudo, do que uma lombada misteriosa forrada por florezinhas. Escamoteada entre romances melosos da Biblioteca das Moças. Ali tinha coisa, sim. E das mais escandalosas: uma edição já surrada de "O Amante de Lady Chatterley". Mal comparando, um "Cinquenta Tons de Cinza" de outrora.

No cartum de Marcelo Martinez, um menino mexe em seu celular, sentado em uma cadeira gamer, em frente ao computador. De fora do quadro, um balão de fala de sua mãe, que diz: "Aquele livro na estante não é para criança, tá?". O menino então pergunta: "o que é "livro"?
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 25 de setembro de 2023 - Folhapress

Na minha família havia um acordo tácito. Se alguém dizia que um livro não era apropriado para nossa idade, aí é que líamos escondido. Nem sempre captando a história, mas nos achando pré-adultos ao transgredir literariamente entre um almanacão de férias aqui, um manual do escoteiro mirim ali.

Certa vez, sendo flagrada ao folhear Nelson Rodrigues, levei um esbregue. "Não pode, é indecência!" Então me confiscaram "Os Sete Gatinhos", sem explicar se era ou não a história de bichanos fofos. Ou por que aquele exemplar, apesar de tão condenável, vivia no bem-bom de uma gaveta de cabeceira.

Pervertidos, imorais, um poço de depravação —mas só até a página dois. Quantas vezes não encontrei volumes proibidões nas mais pudicas estantes? "Sexus", "Plexus", "Nexus". Complexos de Philip Roth. Os poemas eróticos de Drummond.

Décadas antes dos best-sellers sáficos da geração Z, Cassandra Rios peitava a ditadura e caía no gosto das donas de casa. Entre elas, a mãe de uma amiguinha, que escondia "Carne em Delírio" atrás do quadro da Santa Ceia.

Após a morte de um conhecido que era general da reserva, ninguém se chocou com a pilha de catecismos do Carlos Zéfiro. Libidinoso mesmo foi encontrar uma coleção completa e água com açúcar de Júlias, Sabrinas e Biancas, nossa mais romântica pulp fiction.

Com o passar do tempo, cresci enquanto leitora, mantendo respeito e apreço pelos títulos censurados. Em vez de livrinhos de sacanagem —"devassidão pura!"—, eram obras plenas de rebeldia e experimentação. Tanto que as guardo até hoje em prateleiras bem à vista.

Diante de telas, interfaces, "tiks" e "toks", lê-se cada vez menos, eu sei. Mas, sempre que me deito com um livro, a sedução acontece. Acaricio suas páginas e as cheiro inebriada, como se fossem o pescocinho de um revisto e ampliado peguete de Lady Chatterley. Sem vergonha dessa paixão.

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