Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu Todas

Pede a bênção, Chuck Norris

Nenhum astro de filme de ação é páreo pra mulher decidida a se separar

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Entre um gole de café e uma passadela de manteiga na torrada, ela introduziu o assunto com precisão. Depois de falar da festa de 15 anos da filha da Marilda, mas antes de avisar que precisava ir embora. Ou seja: no clímax da fofoca.

"Inclusive, ia me esquecendo: Osmar tá foragido! Vai precisar sumir por uns tempos..." E então se calou à mesa, mastigando impávida diante de todos os pares de olhos perfeitamente esbugalhados. A respiração geral suspensa, aguardando detalhes.

Assim é "Dorinha, minha madrinha". Equivalente mais familiar e suburbano a "Bond, James Bond". Aliás, que fique bem claro desde já. Não há Stallone, Chuck Norris ou Jason Statham que lhe seja páreo. Herói de filme de ação tem mais é que fazer fila para pedir a bênção da mulher que decide cair fora dum casamento porcaria.

No desenho de Marcelo Martinez: a silhueta de um homem misterioso, de chapéu e casaco, se mistura à escuridão de um beco
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 20 de maio de 2024 - Folhapress

No episódio anterior de nossas neuras geracionais, a mãe de Dorinha foi a primeira desquitada do bairro. Na época em que deixar de ter marido era acinte social, quase sinônimo de fazer a vida na rua. Pudica, porém apelidada de "a desfrutável", tinha pavor até de andar de táxi. Saltava um quarteirão antes ou depois, para estranho nenhum saber onde morava.

Casada há quase 30 anos com o encostado e cansativo Osmar, Dorinha se criou nesse cenário traumático, tendo de lutar mais do que Liam Nesson num thriller da "Temperatura Máxima" (algo molezinha perto de sua pré-menopausa). Sabe "Intriga Internacional", do Hitchcock? Esquece. Para ela, muito pior era qualquer assunto chegar às parentas futriqueiras de Cambuquira.

Foi quando decidiu agir. E da forma mais cinematográfica possível, durante aquele lanche da tarde. "Pois é, Osmar descobriu um esquema ilícito lá na firma. Hum, hum. Agora está sabendo demais... Chegou a ser ameaçado de morte pelo gerente! Um horror. Me alcança o açúcar?"

Meses a fio, essa louca escapada —com as mais eletrizantes reviravoltas— tornouse o assunto blockbuster em churrascos, reuniões de condomínio e conversas de elevador. Um imbróglio que gerou "fanfics" paralelas, com Osmar fabricando dinheiro, meta-anfetamina e bonequinhos de bola de gude com Durepoxi para sustentar a tocaia.

Até que um dia, sem qualquer efeito especial, meu irmão tropeçou nesse John Wick genérico na padaria do bairro vizinho. "A gente só se separou", disse Osmar tristonho e de chinelos. Indo embora não com um coquetel molotov na mão, mas um litro de leite desnatado debaixo do braço.

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