Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Ui: 'Sensação de extremo prazer vocabular, duas letras'

Antes da alfabetização, eu já era louca por cruzadinhas com criptogramas desenhados

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Eu sei que você sabe e também gosto do que você gosta. Nossos olhares a se cruzar, no mesmo tipo de esquina.

"Quer dizer que você...". Arrã. Vim aqui para isso. "Média? Difícil?" Ora, por quem me tomas? Difícil, sempre. "Ótimo, mas você sabe o preço, né?" Sim, estou ligada na tabela do prazer. "Vai ser no dinheiro ou no Pix? Não querem levar também o sudoku?", interrompe o jornaleiro, fazendo o joguinho dele. "Biltre!", seis letras. "Aqui a palavra é cruzada, mano."

Na ilustração de Marcelo Martinez: palavras cruzadas, brincando com os encontros de vogais entre "Ui, ui ui" e "Ai, ai, ai
Marcelo Martinez/Folhapress

Sim, somos o que somos: cada um no seu quadradinho. Alguns, acumuladores de revistas e jornais. Outros, praticantes da baixaria em downloads de apps que ainda perguntam que árvore brasileira tem três letras ("ipê"), qual o sinônimo de lista ("rol") e como se chama o profissional que resiste às inteligências artificiais e nos salva da burrice natural, bolando desafios léxicos que tanto amamos ("cruciverbalista").

Antes da alfabetização, eu já era louca por cruzadinhas com criptogramas desenhados. Por cima do ombro do meu "genitor" (o mesmo que "pai", sete letras), bispava verbos e adjetivos nababescos de gente grande que falava bonito. "Fora que é bom para a memória", defendia minha mãe, que teve Alzheimer mas continuou com vocabulário riquíssimo até o fim. Durante 50 anos, os dois sentavam-se na varanda, com a língua no canto da boca e depois óculos na ponta do nariz, juntos na mesma página. A meu ver, excelente ideal de "matrimônio" (o mesmo que "casamento", só que mais lúdico, dez letras).

Ao variar parceiros, descobri o prazer da não monogamia linguística por meio de encontros vocais e consonantais de tabuleiro. Basta um "na sua casa ou na minha?" para que a noitada se dê orgíaca e semiológica, por entre sobras de pizza e brigas acaloradas sobre a existência ou não de "papibaquígrafo".

Também sou amante de tortos, que não escondem letra alguma, a gente que se vire com elas. No termo, digito logo "ureia" para escancarar quatro das cinco vogais existentes. Jamais recuso convites para adedanhas, sejam elas "donhas" ou "stops". E, da forca ao trocadilho, não me envergonho de jogos de palavras.

Caracteres formam caráter, não só frases. Tudo o que pode estar numa folha de papel, ou pedaço de tela, cria "nós" —o pronome e o embaraço (três letras). Não à toa, meu sustento é caçar palavras e a mim mesma por aí. Aqui, semanalmente. Diagramada na mesma folha impressa do meu hobby, espichada em êxtase gramatical contigo que me lê.

Seremos nós, portanto, o enigma? Pensa e me diz, respeitando seu espacinho.

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