Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano

Exercício é tratamento, mas não deve ser cloroquinizado

O movimento corporal pode ser uma forma de tratamento, mas definitivamente não é vacina

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Há 2 décadas, pesquisadores acompanharam 3.234 participantes com pré-diabetes que receberam um tratamento medicamentoso (metformina), uma intervenção de modificação do estilo de vida (com foco em exercícios) ou placebo (substância inerte). O uso regular do medicamento reduziu o número de novos casos de diabetes em 34%. Já o programa composto por atividade física produziu resultados ainda mais satisfatórios: diminuição de 58% na incidência da doença.

Estudos como esse respaldam a campanha global lançada pelo Colégio Americano de Medicina do Esporte, em 2007, Exercise is Medicine (Exercício é Tratamento), que incentiva a incorporação da atividade física como parte do tratamento clínico.

Hoje em dia, é consenso que o exercício pode tratar pacientes com diabetes, obesidade, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, osteoporose, doença de Alzheimer, osteoartrite, fibromialgia, aterosclerose, doença hepática não alcoólica, dislipidemias, artrite reumatoide, insuficiência cardíaca, câncer etc.

Pixel-Shot - stock.adobe.com

Com entusiasmo, temos também acompanhado os benefícios da prática de atividade física na evolução da Covid. Recentes estudos têm sugerido que ser ativo traz proteção contra formas graves da doença, o que se reflete em redução de mortalidade. A reboque desses achados, a Sociedade Científica das Redes Sociais (contém ironia) resolveu lançar a campanha Exercício é Vacina –a vertente pandêmica da consagrada Exercício é Tratamento.

Mas será que o exercício funciona como vacina?

Obviamente, para que o exercício seja equiparado à vacina, é preciso que ambos produzam efeitos similares. E é aí que mora o perigo: não há sequer dados que permitam tal comparação.

Para as vacinas, estudos controlados e randomizados –nos quais milhares de participantes são acompanhados após receberem, aleatoriamente, o imunizante ou o placebo– são cada vez mais numerosos. Ao compararmos os grupos vacinado versus controle, obtemos valores de eficácia global, hospitalização e mortalidade.

Já para o exercício, há apenas estudos observacionais, que não permitem estabelecer relações causais. Por exemplo, pessoas mais ativas podem também ser mais jovens, ter menos comorbidades ou se preocupar mais com a saúde. O pacote completo –e não apenas a atividade física– reduziria os riscos de infecção e agravamento da Covid. Modelos matemáticos até podem controlar alguns desses fatores de confusão, mas raramente os eliminam.

Ainda que o exercício emulasse perfeitamente o efeito da vacina –algo de que duvido–, várias questões permaneceriam: qual seria a “dose” de atividade capaz de promover uma resposta imune? Quanto tempo de treinamento físico seria necessário para induzir imunidade? Pessoas debilitadas e idosos –os mais afetados pela pandemia– conseguiriam realizar os exercícios? Como exercitar ampla e equitativamente a população, de modo a atingir a imunidade de rebanho?

Inquestionavelmente, o exercício previne e trata diversas condições clínicas. Provavelmente, também reduz o risco de casos graves de Covid. É possível também que potencialize a resposta vacinal. Mas nada leva a crer que possa substituir o imunizante.

Propagandear o exercício como elixir da Covid é um despropósito que rebaixa essa valiosa ferramenta terapêutica ao escalão das curandeirices. Por isso, ainda que as intenções sejam boas –e delas, o inferno das redes sociais está cheio– convém não “cloroquinizar” a atividade física. O movimento corporal pode ser uma forma de tratamento, mas definitivamente não é vacina.

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