Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano

Darwin não dá a mínima para seu biquíni

Somos munidos de um colossal estoque de gordura, e o exercício é ineficiente em aumentar o nosso gasto diário de calorias

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Na década de 1970, o biólogo Theodosius Dobzhansky escreveu o influente ensaio "Nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução", que ressalta a impressionante capacidade explicativa da teoria de Darwin para o sucesso da vida.

É na esteira da teoria da evolução que o antropólogo Hernan Pontzer (Universidade Duke, EUA) realiza pesquisas revolucionárias sobre como gastamos e acumulamos calorias.

Suas descobertas indicam que o ser humano possui uma limitada capacidade de aumentar a queima de energia –característica que contribuiu para que nossos ancestrais sobrevivessem a escassez de alimentos, mas que tornou o homem moderno presa fácil da obesidade.

Movimentação de turistas em Maresias, no litoral norte de São Paulo - Adriano Vizoni - 14.fev.21/Folhapress

Pontzer, que se especializou em estudar o gasto energético total –quantidade de quilocalorias queimadas diariamente para manter as nossas funções vitais (a chamada taxa metabólica basal) e outras atividades diárias (como os exercícios), tem produzido resultados que desafiam o senso comum.

Muita gente imagina que quando gastamos 500 calorias numa corrida, temos um acréscimo de 500 calorias no gasto energético total. Mas isso não acontece. Pessoas fisicamente ativas adaptam-se para queimar menos energia.

Para chegar a essa conclusão, Pontzer foi à Tanzânia (África) avaliar o gasto energético de indivíduos da tribo Hadza, que em busca por alimentos, podem caminhar 14 quilômetros diariamente –distância que um brasileiro típico leva 1 semana para percorrer.

Surpreendentemente, a queima diária de calorias dos Hadza não foi superior à de sedentários ocidentais, apesar da imensa diferença nos níveis de atividade física entre eles.

Por mecanismos ainda desconhecidos, nosso corpo se adapta a altas demandas energéticas poupando calorias. Em outras palavras, tornamo-nos mais econômicos à medida que aumentamos os exercícios.
Pontzer confirmou esse conceito ao demonstrar que o gasto energético diário de mulheres em preparação para uma meia maratona que corriam 40 quilômetros semanalmente não aumentara em relação ao período anterior ao treinamento, quando ainda eram sedentárias.

O que esses estudos nos ensinam é que o exercício tem um papel limitado no gasto de energia total e, consequentemente, na perda de peso corporal.

E aqui cabe um esclarecimento. Os achados de Pontzer não podem ser interpretados como se indicassem que o exercício é dispensável no tratamento da obesidade. Afinal, a atividade física regular é a ferramenta mais eficaz em prevenir doenças cardiovasculares e metabólicas associadas ao excesso de peso. Que o digam os ativos Hadza, que raramente sofrem dessas condições.

O fato é que a pandemia da obesidade parece não ser explicada por um baixo gasto de energia. E essa constatação vem do próprio exame da natureza. O homem moderno –no auge do seu sedentarismo evolutivo– gasta mais energia (por peso corporal) do que o chimpanzé (20%), o gorila (40%) e o orangotango (60%).

Graças a nossa elevada taxa metabólica, temos um grande cérebro, uma longa fase de desenvolvimento infantil, altas taxas de fecundidade e vivemos relativamente bastante.

Obviamente, nossa usina de energia precisa de combustível para queimar. Por isso, somos também munidos de um colossal estoque de gordura –2 a 3 vezes superior ao de outros grandes primatas.

Essa extraordinária capacidade de poupar calorias– que se revelara uma excelente vantagem adaptativa para os nossos ancestrais sob risco de inanição –tornou-se um fardo ao homem moderno, empanzinado por comida de péssima qualidade.

"Nossa maquinaria metabólica não foi forjada por milhões de anos de evolução para garantir belos corpos de biquíni", brinca Pontzer. Darwin riria satisfeito.

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