Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo

Um rebranding para o exercício físico

Frases de coach de boteco não motivam pessoas de carne e osso a se exercitarem

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Se pouquíssima gente duvida que exercício faz bem à saúde, por que uma considerável parcela da população é inativa?

Michelle Segar (Universidade Michigan), cientista comportamental e autora do best-seller "No Sweat" (Sem suor), busca explicações ancoradas na ciência a essa questão. E assim demole um tanto de baboseiras motivacionais instagramáveis a que assistimos por aí...

Num estudo com pais e mães de filhos dependentes –um grupo sabidamente refratário à prática de atividade física–, a pesquisadora notou que aqueles que almejavam se exercitar por objetivos estéticos ou de saúde tendiam a desistir ao cabo de um ano.

Já os que se aventuravam em atividades autopercebidas como prazerosas e revitalizantes tinham mais chances de se manterem ativos em longo prazo.

Domingo Pianezzi surfa com seu cachorro Makakilo em San Bartolo, no Peru - Mariana Bazo - 23.jan.23/Xinhua

Segar entende que o prazer imediato que o exercício proporciona é a fonte mor de motivação para o engajamento num estilo de vida ativo. Por outro lado, a pesquisadora aponta indícios de que os benefícios terapêuticos da atividade física –embora sejam muitos e amplamente conhecidos– não convencem per se as pessoas a serem ativas.

Isso ocorre porque nossas decisões são fortemente influenciadas pela expectativa de como a adoção de determinado comportamento nos fará sentir.

A melhora da aparência, a perda de peso e a redução de alguns miligramas de colesterol são desfechos bem-vindos com a prática regular de atividade física. Todavia, segundo Segar, o efeito afetivo imediato do exercício, manifestado, por exemplo, em redução de estresse, aumento de vitalidade e melhora de bem-estar geral –e, sobretudo, como isso impacta positivamente as relações interpessoais (família, amigos) e outros aspectos cotidianos (trabalho, lazer)–, pode ser um estímulo motivacional mais poderoso na aderência à vida ativa.

Jogadores se aquecem antes de partida da primeira edição da Champions Ligay, em 2017, torneio de futebol society com oito equipes de todo o país formadas só por homossexuais; exercício aliado ao prazer é mais proveitoso - Ricardo Borges - 26.nov.17/Folhapress

Essas observações nos convidam a refletir se, de fato, estaríamos promovendo adequadamente o exercício.

Entrevistas conduzidas por especialistas revelaram o que mulheres da capital Washington (EUA) pensam sobre algumas campanhas de incentivo à prática de atividade física.

E as participantes não pouparam críticas à estética das mensagens. "Quando vejo [nas campanhas] imagens de pessoas andando de bicicleta no meio do dia, eu penso: 'o que eles fazem da vida?'", indignou-se uma delas com o ócio das personagens. "Pessoas reais não são tão magras!"; "Mostre-me atividades que eu consiga realizar com o meu corpo", protestaram outras, provavelmente dotadas de formas físicas e capacidades reais.

Infortunadamente, é preciso muito mais do que um corpo escultural e frases de coach de boteco para motivar intrinsicamente pessoas de carne e osso. E é por isso que o exercício precisa de um rebranding.

Para uma mãe solo, periférica, trabalhadora e sedentária, a recomendação de que "todo movimento conta" (contemplada no recente guia brasileiro) é muito mais potente do que mensagens quiméricas do tipo "caminhe 10 mil passos por dia", "faça 40 flexões de braço" ou, pasme, caro leitor!, corra para trás. Estas, inalcançáveis à imensa maioria, provocam pressão, desistência e frustração. Aquela, inclusiva e permissiva, aguça a percepção de competência e autonomia.

Revigoradas pelos avanços da ciência do comportamento, as mensagens de incentivo ao exercício necessitam cambiar o foco meramente cosmético e medicalizado pelo do bem-estar. Na tentativa de se tornar ativo, o prazer deve ser a meta.

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