Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Judicialização das assistências sociais

Ativismo judicial minimiza potencial de políticas assistenciais na redução de desigualdades

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Em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, e com data de votação próxima, está a reforma da Previdência, que recebeu recentemente parecer favorável de seu relator, o senador Tasso Jereissati.

O parecer mantém grande parte do texto que foi aprovado na Câmara, mas suprime alguns trechos ditos “equivocados”, como o que estabelece o limite de renda per capita de ¼ do salário mínimo para a concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada) no próprio texto constitucional.

Pela argumentação do relator, a inclusão do limite no texto tornaria o acesso ao benefício mais difícil. Essa seria uma constatação bastante curiosa, já que o critério está estabelecido em lei complementar ao texto constitucional, a Loas (Lei Orgânica da Assistência Social). Assim, sua inclusão deveria ser apenas mera formalidade.

Entretanto, essa alteração é relevante. A inclusão na Constituição consolida o critério econômico na concessão do benefício, que, apesar de claro na Loas, é ignorado e frequentemente reinterpretado pelo Judiciário.

Considerar o BPC um direito constitucional sem critérios claros permite que questões relativas às políticas públicas e sociais do país passem a ser decididas pelo Judiciário. Não se pode negar a importância e o destaque da Justiça quando arbitra situações controversas entre o Estado e sua população. Contudo, não deve o Judiciário decidir ele mesmo os parâmetros de cada política pública por dois importantes motivos.

Primeiro, decisões atomísticas sobre parâmetros específicos da assistência —como o caso em questão— não levam em consideração as demais obrigações que o Orçamento público precisa atender. Para um dado Orçamento, dar para uns necessariamente significa tirar de outros. Nesse sentido, políticas públicas precisam ser pensadas em seu conjunto, e decisões judiciais são incapazes de internalizar os custos de um aspecto isolado da assistência.

E segundo, a disputa judicial pela assistência social é um espaço privilegiado de acesso. Complexa em sua natureza, a judicialização deixa de fora os mais vulneráveis, justamente aqueles que deveriam ser protegidos e amparados pelo Estado. 

A disputa legal pelo acesso ao BPC decorre principalmente da interpretação subjetiva que o Judiciário associa ao idoso e deficiente em situação de vulnerabilidade. Ainda que a regra seja clara —pobreza para acesso ao BPC é ¼ do salário mínimo per capita—, o Supremo chancelou, em 2013, entendimento de que outros critérios poderiam ser adotados.

Assim, os números da judicialização não surpreendem. Segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), dos R$ 53,2 bilhões pagos ao BPC em 2017, R$ 6,4 bilhões foram por decisão judicial, ou seja, 12,2%. Se a judicialização privilegia a parcela da população de maior renda, o benefício passa a ser destinado a quem menos precisa dele. A Controladoria-Geral da União identificou, em 2017, 467 mil beneficiários acima do limite de renda per capita estipulada para o benefício. 

E quem perde nesse jogo? Os idosos e deficientes realmente pobres, a quem o BPC não alcança. De acordo com o TCU, a subcobertura do programa para 2006 é de ao menos 27%. Ainda mais alarmante, o mesmo relatório documenta que 6% dos beneficiários estavam entre os 25% mais ricos da população.

O ativismo judicial em torno do BPC minimiza o grande potencial de atuação das políticas assistenciais na redução das desigualdades. Critérios objetivos ajudariam a tornar o BPC mais focado e justo. Ao contrário do que foi argumentado, é a própria exclusão do critério econômico em texto constitucional que dificulta o acesso ao BPC e o torna difícil justamente para os que mais precisam dele: os mais pobres.

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