Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Cecilia Machado

Vírus e vítimas econômicas e sociais

Contágio será democrático, mas as vítimas poderão ter nome e endereço

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nesta semana, muitos estados e municípios decidiram suspender aulas e cancelar eventos com grande aglomeração de pessoas. Já se sabe que limitar ou conter a circulação é ferramenta poderosa no controle epidemiológico do coronavírus, especialmente devido à capacidade limitada de atendimento nos sistemas de saúde.

Mas a epidemia e o controle dela são também responsáveis por uma enorme redução da atividade econômica, cujos efeitos já estão sendo sentidos no hemisfério Norte. O impacto total —de difícil mensuração— depende de inúmeros fatores, como restrições ao comércio exterior e redução da demanda agregada, assim como rupturas na oferta.

Claro, o trabalho é insumo importante nos diversos setores da economia. Entretanto, avanços tecnológicos, quase permitem o trabalho de forma remota, não se aplicam a todos. Caso extremo é o setor de serviços, que, por definição, depende de pessoas.

Assim, a variação do coronavírus que chega ao Brasil é diferente. Não por causa de mutações no vírus ou por incertezas relacionadas à propagação dele em climas tropicais, mas porque desembarca em um país mais suscetível aos efeitos adversos da epidemia, tanto pela condição socioeconômica da população quanto pelo funcionamento particular do nosso mercado de trabalho.

É inevitável constatar que a epidemia tem enorme potencial para discriminar por renda e classe social.

No campo da saúde, questiona-se se o número de leitos disponíveis em UTIs será suficiente e como as características socioeconômicas da população interagem com a epidemia. Se de um lado nossa estrutura etária ajuda na contenção do surto, por outro o atendimento emergencial ainda privilegia critérios de renda, já que o SUS detém apenas metade dos leitos totais.

Com relação à estratégia de isolamento, esta pode não funcionar em aglomerados com alta densidade de pessoas, como as favelas. Além disso, condições de saúde adversas, como a incidência de tuberculose —que registrou 72 mil novos casos em 2018 e tem relação com a exclusão social—, colocam muitos pobres em desvantagem no enfrentamento ao vírus.

Na economia, a desaceleração iminente da atividade atinge em cheio muitas empresas, mas afeta de forma desproporcional a grande massa de trabalhadores informais e por conta própria —cerca de 40% da força de trabalho—, que não tem a proteção social do nosso sistema de seguridade e não possui acesso ao mercado de crédito.

Para esses trabalhadores, o lockdown traz consequências imediatas e severas. Sem trabalho e sem salário, não qualificam para licenças por motivo de saúde nem para o seguro-desemprego. E o crédito pessoal, que deveria atuar para mitigar situações adversas, funciona pior justamente para os mais pobres.

O plano de ação imediata do governo contempla alguns desses desafios. Foi aberto crédito extraordinário de R$ 5 bilhões em favor dos ministérios da Saúde e da Educação. Sim, recursos para as despesas emergenciais são desejáveis e necessários, lembrando oportunamente que situações de calamidade estão excluídas do limite imposto pelo teto dos gastos.

Menos óbvias são as ações de antecipação de 13º e liberação do FGTS. Mais importante seriam ações que aliviam a restrição de liquidez, para que firmas não fechem as portas, e as pessoas, incluindo informais, consigam recursos para tocar o dia a dia.

Igualmente importante é o papel da nossa rede de proteção social, que não foca prioritariamente nem os informais nem o atendimento aos pobres.

O Brasil é paciente débil, exposto ao vírus em momento de baixa coordenação política, Orçamento engessado e poucos mecanismos de ajuste para proteger aqueles que realmente precisam. As condições iniciais para uma situação grave estão dadas.

Como em todo vírus, o contágio será democrático. Já as vítimas, infelizmente, correm o risco de ter nome e endereço.​

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.