Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Descrição de chapéu Coronavírus

Não podemos punir crianças sem diagnóstico do papel de escolas no contágio

Escolas podem ser ambientes seguros se precauções adequadas forem tomadas

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Nesta semana, milhões de crianças retornaram às atividades de educação presencial após cerca de um ano afastadas das escolas. Demorou, mas houve, enfim, entendimento de que as escolas fazem parte do conjunto de atividades essenciais, com implicações para o aprendizado dos alunos, para o crescimento da economia e para a redução das nossas desigualdades.

Em São Paulo, o decreto do governador João Doria foi além, autorizando a abertura das escolas durante todo o ano letivo de 2021 e em todas as fases do Plano São Paulo, com regras específicas em cada uma das fases.

Mas o debate promete durar. A decisão liminar concedida pelo TJ-SP suspendendo o início das aulas na rede municipal de São Paulo —rapidamente revertida no próprio tribunal— dá uma boa ideia do que devemos esperar para o ano, não apenas em São Paulo mas em vários outros municípios.

A descentralização das atividades educacionais tem também suas desvantagens, e será difícil garantir regras mínimas ou uniformes para o funcionamento das escolas quando diferentes cidades experimentam enormes variações nas suas taxas de contágio.


Mais preocupante ainda é o fato de a reabertura das escolas coincidir com baixos níveis de distanciamento social, com a nova escalada de mortes por Covid-19 e com a descoberta da nova variante do vírus em Manaus. Nessa conjuntura, corremos o sério risco de associar a abertura das escolas à escalada da epidemia, mesmo quando todas as outras medidas preventivas necessárias não estão sendo cumpridas pela população.

Algo semelhante aconteceu nos EUA: os primeiros estados que permitiram a reabertura das escolas exibiam também taxas de contágio bastante elevadas. A ausência de informações sobre a transmissão que ocorre dentro das escolas levou a economista Emily Oster a firmar parceria com a plataforma de coleta de dados Qualtrics para monitorar a epidemia nesses espaços. O resultado da iniciativa deu origem ao Dashboard “Covid School Response”.

Ainda que muitas das análises desses dados sejam correlacionais —ou seja, não implicam relação de causa e efeito—, alguns padrões são bastante impressionantes.

Os dados evidenciam, por exemplo, que as taxas de infecção das escolas refletem as taxas de infecção nas comunidades em que estão inseridas, derrubando a ideia que a propagação do vírus é amplificada com a abertura das escolas. E que grande parte dos contágios ocorre entre funcionários e professores, aumenta de acordo com a idade das crianças que frequentam as escolas e depende bastante das medidas preventivas que estão sendo adotadas.

Na semana passada, pesquisadores do CDC emitiram nota no renomado periódico Jama enfatizando que as escolas podem, sim, ser ambientes seguros se precauções adequadas estiverem sendo tomadas, como o uso de máscaras e o distanciamento entre os alunos, baseado em inúmeros estudos científicos e em linha com muitas das evidências compiladas no Dashboard.

Cabe discutir se o monitoramento da epidemia nas escolas, com abrangência geográfica ampla, deveria ter ficado a cargo de uma iniciativa privada, ou se acompanhamento deveria ter sido responsabilidade de algum órgão de Estado —do próprio CDC ou o Departamento (Ministério) da Educação—, o que acabou não acontecendo.

É importante ressaltar que a própria natureza voluntária no fornecimento de informação pelas escolas à plataforma introduziu diversas limitações nas interpretações dos números, já que se pode argumentar que justamente as escolas participantes são aquelas que possuem mais recursos para reagir e desfazer a escalada de contágios. No cenário ideal, as informações deveriam realmente ter cobertura censitária.

No Brasil, as possibilidades para a coleta de informações sobre os contágios nas escolas são muitas e envolvem desde o Inep —que realiza anualmente o Censo da Educação Básica— até as secretarias estaduais e municipais de educação e de saúde. As valiosas informações podem ser coletadas com relativa facilidade em cada escola que abre suas portas neste início de ano letivo.

Os dados, afinal, podem ser ótimos aliados no enfrentamento da epidemia enquanto ainda não temos vacina para todos. Especialmente aqui, onde há enorme variação na infraestrutura e gestão das escolas, parâmetros fundamentais na mitigação das transmissões.

Com uma eventual escalada da epidemia, sem um diagnóstico claro sobre o papel das nossas escolas no contágio, não podemos mais uma vez punir as crianças.​

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