Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Sem a desculpa da urgência

Não temos nem ações de políticas públicas nem precaução da população

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O Brasil é mesmo bastante particular nas suas ações de enfrentamento ao coronavírus. Ao contrário de vários países do mundo, que voltaram a decretar restrições à mobilidade ou incentivar o isolamento social quando viram os números de casos e mortes escalarem com a segunda onda de contágios, não temos, até agora, nem ações de políticas públicas nem precaução da população frente a evolução da tragédia.

Chegamos ao final do ano com mais de 187 mil mortes acumuladas, e no ritmo atual, que voltou a alcançar a casa do milhar na semana passada, a marca dos 200 mil deve chegar em breve.

Dados de mobilidade comunitária do Google indicam padrão de circulação de pessoas pouco menor que em igual período do ano anterior, quando não havia ainda preocupações com o vírus. E o último levantamento do Datafolha aponta para o pior nível de isolamento social desde o início da pandemia.

Parece que voltamos à normalidade mesmo sem um horizonte claro para a vacinação universal dos brasileiros em futuro próximo. A combinação da circulação corrente do vírus com a falta de cuidados com o isolamento gera um risco real de deterioração da pandemia nas próximas semanas. E com ele, torna-se inevitável ações bastante mais restritivas na contenção da mobilidade, o que terá implicações fortes e negativas nos setores com maiores níveis de interação social, como o setor de serviços.

A pergunta que se coloca é: qual será a reação de política econômica a esta eventual realidade? A resposta instintiva é replicar o que foi feito anteriormente, pois o orçamento de guerra: 1) foi importante e eficaz na proteção social; 2) foi força estabilizadora na economia, e preveniu que a recessão fosse muito maior do que se observou ao conseguir sustentar o consumo das famílias; 3) e também foi bastante popular, já que muitos analistas, incluindo o próprio governo, além da imprensa e grande público, consideram as políticas públicas implementadas em 2020 um grande sucesso.

Entretanto, reproduzir em 2021 o que se fez em 2020, mesmo sob condições piores da epidemia, será um grande equívoco. Por dois motivos. Primeiro, o custo fiscal do orçamento de guerra foi enorme. Foram, até agora, R$ 510 bilhões alocados a ele. Ele certamente vale como política temporária. Mas sua extensão por um segundo ano, mesmo que de forma parcial, pode tornar a dinâmica fiscal ainda mais claramente insustentável.

Segundo, a reação de urgência frente ao choque inicial da pandemia foi desfocada e exagerada. Houve aumento de renda habitual para uma fração substancial da população, apesar do produto nacional cair. Fez-se um programa de redistribuição, sem considerar condicionalidades ou incentivos, sem um planejamento mínimo, e às custas de endividamento expressivo.

Neste meio tempo, tivemos inúmeras oportunidades para estabelecer uma nova rede de proteção social. Afinal, ampliações nos gastos sociais são muito bem-vindas, ainda que não no modelo do auxílio emergencial. Apesar da necessidade evidente, a discussão no Executivo e Legislativo não se aprofundou.

Já não há recursos para financiar um programa de transferências de renda mais amplo, mas parece ser possível prorrogar a desoneração da folha de pagamento para apenas 17 setores da economia por mais um ano. A atual desoneração da folha privilegia poucos, e vai contra o princípio de uma boa reforma tributária, pois não traz simplificação e igualdade para todos frente à estrutura de impostos. Ela gera distorções na economia, além de continuar a incentivar o lobby de grupos organizados junto ao Congresso Nacional.

O ano acaba, mas as dificuldades permanecem. Não há planos para a reabertura das escolas, para um cronograma nacional de vacinação confiável, para a discussão e implementação das tão necessárias reformas administrativa e tributária. 2021 tem tudo para ser uma reedição de 2020, sem planejamento e com soluções que parecem pouco alinhadas com a realidade dos fatos. Só que repetir a mesma estratégia, após aproximadamente um ano inteiro de aprendizado, não terá mais a desculpa da urgência.

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