Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Proteção social sem contrapartida fiscal põe em risco seus próprios objetivos

Os empregos foram embora, a renda encolheu e muitas famílias têm fome

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O auxílio emergencial e todo o gasto excepcional permitido por meio do orçamento de guerra ao longo do 2020 foram determinantes para que o impacto econômico da crise sanitária não fosse tão agudo quanto o que se verificou em diversas outras economias comparáveis ao Brasil. Aqui, a economia “só” caiu 4%. No México, que contou com expansão fiscal bem menor, a queda foi de 8%. Na África do Sul, a queda foi de 7%. Comparativamente, não fomos tão mal.

À primeira vista, soa razoável associar a grande expansão fiscal que fizemos ao desempenho econômico que tivemos em ano pandêmico, e não surpreende a enorme pressão para mais uma rodada de gastos excepcionais visando combater os prejuízos econômicos da segunda onda que agora se apresenta. A necessidade é claramente evidente: os empregos foram embora, a renda encolheu e muitas famílias têm fome.

Fila no restaurante Bom Prato em Santana, zona norte de São Paulo. Boa parte dos clientes está desempregado e aproveita as refeições a R$ 1 - Karime Xavier - 6.jan.2021/Folhapress

Este raciocínio, entretanto, esquece que toda e qualquer expansão fiscal precisa contar com fonte de financiamento equivalente —no presente ou no futuro— seja através de redução de despesas ou aumento de impostos. Sem contrapartidas, outros ajustes deletérios naturalmente acontecem na economia, como os que vem através de inflação, o que já começa a aparecer.

A PEC emergencial aprovada semana passada na Câmara foi um pequeno passo na direção de uma expansão de gastos mais responsável. Através dela, ficam autorizados R$ 44 bilhões em despesas para nova rodada do auxílio emergencial, sem que o governo viole regras fiscais previamente estabelecidas ou incorra qualquer irregularidade. Em contrapartida, a PEC estabelece um conjunto de medidas para a contenção de gastos, como barreiras para que se criem ou se reajustem despesas obrigatórias, ou até mesmo o acionamento de gatilhos quando as despesas aumentam mais do que o estipulado.

Nesta nova rodada, parece também ter havido aprendizado sobre a cobertura do auxílio, que, ao que tudo indica, está mais focado —atingindo menos pessoas, porém aqueles que mais precisam, como mães solo e crianças. Os detalhes do novo auxílio ainda não foram anunciados, mas todas as prévias remetem às regras que já são usadas no Bolsa Família.

Mas se de um lado houve clara sinalização de alguma preocupação com o compromisso fiscal, de outro, os ajustes aprovados foram bastante modestos, e ficaram muito aquém do necessário para fazer frente à expansão fiscal de 2020 e 2021. Para a União, por exemplo, os gatilhos só devem começar a ser acionados daqui a 5 anos.

Alguns analistas estimam que a PEC que foi aprovada manteve apenas 10% da redução dos gastos inicialmente previstos na proposta encaminhada em 2019, e corresponde a uma economia de gastos de munícipios, estados e União de cerca de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões em 10 anos. Ou seja, contrapartida parcelada e irrisória que está muito longe da expansão de R$ 44 bilhões já prevista para este ano e dos quase R$ 500 bilhões adicionais incorridos no ano passado. É fácil perceber que a conta não fechou.

Se pressões corporativistas e dos interessados em permanente expansão de gastos tornam os ajustes do lado da despesa não palatáveis ao Congresso e ao Senado, ajustes do lado da receita, como aumento de impostos, também trazem consequências muito ruins para a nossa já combalida eficiência econômica.

Resta, senão, a pior —e mais fácil— solução de todas. Aquela que não encara a crise fiscal de frente, que adia e procrastina ações, que simplesmente ignora o problema. O negacionismo fiscal gera a percepção de uma trajetória de dívida que não pode ser paga. Deteriora as expectativas de inflação e resulta em instabilidade macroeconômica. Compromete não só as decisões de investimento e crescimento da economia, como prejudica diretamente a distribuição de renda e o bem estar das camadas mais vulneráveis da sociedade. Pois proteção social sem uma contrapartida fiscal concreta põe em risco seus próprios objetivos. O negacionismo fiscal também pode ser letal. Afinal, miséria e pobreza também matam.

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