Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Cecilia Machado
Descrição de chapéu salário mínimo inflação

Salário mínimo não é bala de prata para reduzir desigualdades

Tema ganhou os holofotes durante o segundo turno das eleições presidenciais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A valorização do salário mínimo —com reajustes acima da inflação— foi uma importante política praticada no Brasil nas últimas duas décadas. Entre 1996 e 2018, o poder de compra do salário mínimo aumentou 128%, e esta valorização foi acompanhada pela redução da informalidade e pela diminuição da desigualdade no período.

Defendida explicitamente por Lula, a política passou a ganhar suporte também de Bolsonaro, após enorme ofensiva sofrida pelo atual governo diante da notícia de que o ministro Paulo Guedes estaria por trás de uma proposta para desindexação do salário mínimo à inflação do ano anterior, o que poderia, ao contrário, reduzir o poder de compra dos trabalhadores.

Seria, portanto, tão óbvio que a valorização do salário mínimo estivesse associada a ganhos inequívocos para os trabalhadores e para a sociedade, sendo capaz de trazer convergência nos planos econômicos dos dois candidatos?

Cédulas de real - Gabriel Cabral/Folhapress

A teoria econômica nos dá argumento nas duas direções. De um lado, o aumento do salário mínimo se contrapõe ao poder de mercado das firmas em alguns segmentos, fazendo-as distribuir aos trabalhadores uma maior parte do excedente que é gerado em uma relação trabalhista.

De outro, aumentos demasiadamente elevados do mínimo, com reajustes reais que não acompanham os ganhos de produtividade do trabalho, vão na direção contrária, já que um mercado de trabalho fortemente regulado, como o brasileiro, tem como válvula de escape justamente a informalidade, situação em que o valor mínimo não precisa ser respeitado.

Mas a simples associação da valorização do mínimo à redução da informalidade ou à queda da desigualdade que se observa nos dados ignora que a nossa economia passou por outras tantas transformações ao longo dos últimos 20 anos.

Entre elas: o aumento da oferta de trabalhadores qualificados decorrente da maior escolaridade da população (oferta); mudanças na demanda em segmentos específicos, resultantes do crescimento trazido pelo boom de commodities, pela liberalização comercial e pela adoção de tecnologias (demanda); e mudanças nas instituições trabalhistas, como as desonerações de imposto na folha, mas também a própria política de valorização do mínimo (instituições).

Em conjunto, estas mudanças alteram a oferta e a demanda por trabalho na economia, com efeitos concomitantes em salários e emprego, o que prejudica a associação direta entre a valorização do mínimo, a informalidade e desigualdade.

A avaliação cuidadosa da relação de causa e efeito da política de valorização do salário mínimo sobre os indicadores econômicos mostra que parte do ajuste de fato se manifesta no aumento da informalidade, embora os efeitos em emprego sejam nulos ou próximos de zero (Foguel, Ramos e Carneiro, 2001; Lemos, 2009).

Considerando os efeitos de oferta, demanda e instituições de forma isolada, a mudança na composição da força de trabalho, que se tornou mais escolarizada ao longo do tempo, aparece com o principal fator por trás da redução da informalidade (Haanwinckel e Soares, 2022). Sem a melhora na qualificação da força de trabalho, a valorização do mínimo teria aumentado, não reduzido, a informalidade.

Com relação à redução da desigualdade no período, esta também é em grande parte explicada por fatores de oferta, o que reduz o prêmio salarial dos trabalhadores de maior escolaridade e distância salarial entre os trabalhadores mais e menos qualificados. A diminuição dos retornos à escolaridade e à experiência vem sendo consistentemente identificada com um importante motor na redução da desigualdade salarial (Firpo e Portella, 2019).

Essas evidências de forma alguma sugerem que o salário mínimo seja irrelevante para ganhos de bem-estar da população. Ao contrário, o salário mínimo também contribui para a redução das desigualdades via compressão de salários na cauda inferior da distribuição, além de atuar em conjunto e potencializar as demais mudanças que vem ocorrendo do mercado de trabalho.

Mas a existência de um setor informal que absorve trabalhadores em contratos mais precários, de um sistema educacional que não tem sido capaz de preparar o trabalhador para o mercado de trabalho e de um salário mínimo que já é norma para um contingente substancial de trabalhadores —cerca de 40% dos trabalhadores ganham até um salário mínimo— mostra que há limites para ganhos salariais reais sem nenhuma contrapartida.

A valorização do salário mínimo não é bala de prata decidida por mera vontade política e precisa ser minimamente acompanhada por ganhos de produtividade do trabalho, algo que apenas uma política educacional de qualidade será capaz de garantir.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.