Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Cheque em branco econômico

Superficialidade do debate sobre o conteúdo das políticas econômicas assusta

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Os debates e as entrevistas dos candidatos no primeiro turno foram marcados por discussões (e agressões) nos temas de combate à corrupção e de garantia dos valores democráticos. Não restam dúvidas que o posicionamento dos candidatos sobre o funcionamento das instituições é assunto de grande prioridade para a sociedade neste momento, mas a centralidade que esses temas ganharam na corrida eleitoral impediu que a agenda econômica dos candidatos viesse à tona.

Nos últimos meses, falou-se muito pouco das propostas para economia e de políticas concretas que serão implementadas prol do crescimento do país nos próximos quatro anos.

Por serem candidatos conhecidos, paira no ar a visão de que boas intenções econômicas bastam, já que a população está bem familiarizada com o estilo de cada um. Mas há uma enorme gama de políticas bem-intencionadas que funcionam mal em termos práticos. Exemplos desse tipo abundam no Brasil e mostram que apenas a vontade de fazer o certo não é suficiente.

Montagem com as fotos do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Montagem com as fotos do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Adriano Machado e Ueslei Marcelino/Reuters

Políticas econômicas equivocadas distorcem a alocação eficiente da economia, impedem investimentos (e ajustamento) do capital físico e humano nas atividades de maior retorno para a sociedade, dificultam a mobilidade social e a superação da pobreza das populações vulneráveis, entre muitos outros efeitos não desejáveis.

No âmbito social, há incertezas sobre o Auxílio Brasil. O valor de R$ 600 vale apenas até o fim do ano? O Orçamento de 2023 não contempla os R$ 200 adicionais que estão sendo pagos agora, mas os dois candidatos deixam claro que querem manter esse valor sem indicar a fonte de financiamento e sem explicar como adequar o orçamento das assistências ao ainda vigente teto de gastos.

Além disso, o desenho do Auxílio Brasil, com um mínimo por família, diluiu a focalização do antigo Bolsa Família, já que o mesmo mínimo é pago para famílias mais ou menos pobres, com mais ou menos membros, com ou sem crianças no domicílio. No próximo governo, seguiremos com transferências de renda sem nenhuma focalização?

No programa de Bolsonaro, o planejamento para as assistências contempla "acelerar o processo de combate à desigualdade e criar novas ações, incluindo tecnologia e educação, considerando as características regionais", enquanto o programa de Lula defende "um programa Bolsa Família renovado e ampliado, que recupere as principais características do projeto que se tornou referência mundial de combate à fome e ao trabalho infantil, no rumo de um sistema universal e uma renda básica de cidadania".

De tão genéricos, os programas ficam parecidos. Pois tanto a continuidade do pagamento de valor mínimo para as famílias, como no atual Auxílio, quanto o estabelecimento de um programa de renda básica, que transfere renda para todos, são políticas que dão pouca atenção às crianças em situação de vulnerabilidade, que precisam de investimentos substanciais na primeira infância para que tenham condições de acumular capital humano para se inserirem produtivamente no mercado de trabalho ao longo da vida.

Um segundo exemplo de indefinição está no front fiscal. Sucessivas expansões de gastos via PEC descaracterizaram completamente o teto de gastos como regra, e será necessário estabelecer um novo arcabouço fiscal independentemente de quem sair vitorioso nas urnas.

O assunto é sério e urgente: pela regra atual, o Orçamento de 2023 não contempla uma série de gastos que devem ser executados no ano, além de sobrestimar o espaço para os gastos.

Algumas propostas do atual governo para a nova regra fiscal já circulam no noticiário, mas cabe notar que o programa de Bolsonaro é completamente silencioso sobre a disciplina fiscal, as violações do atual teto e a necessidade de uma nova regra. Já o programa de Lula fala explicitamente sobre "revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro", mas segue sem dar maiores detalhes de como isso será feito.

Há outras questões que estão em jogo nessas eleições. Mas a superficialidade com que está sendo debatido o conteúdo das políticas econômicas assusta. Mesmo que a economia seja um objetivo secundário na escolha do eleitor, isso não implica que devamos deixar passar em branco o escrutínio das propostas econômicas dos dois candidatos.

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