Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

O papa e os LGBTs

Decisão de Francisco ajuda a tirar o alvo da testa de casais homossexuais

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O papa Francisco autorizou sacerdotes católicos a abençoarem casais homossexuais.

Para o Estado laico, o respeito à liberdade individual é mais do que suficiente para garantir aos LGBTs o direito à igualdade matrimonial civil. Além disso, a bênção aprovada pelo papa não equivale ao casamento, que continua a ser um sacramento celebrado entre homens e mulheres.

Por outro lado, os LGBT católicos ficaram felizes com a notícia. No fundo, passaram a ter mais ou menos, digamos, o mesmo status dos casais heterossexuais formados por divorciados. Também a eles o papa autorizou que se abençoe.

Papa Francisco durante missa no Vaticano
Papa Francisco durante missa no Vaticano - Remo Casilli - 12.dez.20/Reuters

Nos dois casos, a situação é vista como irregular pelo catolicismo. Mas se os cristãos só condenarem os LGBTs na mesma proporção que condenam divorciados que se casaram de novo, como Jair Bolsonaro, será um progresso. O papa ajudou a apagar o alvo que o conservadorismo contemporâneo desenhou na testa dos LGBTs.

Afinal, a atenção dada pelo movimento conservador moderno à questão LGBT é completamente desproporcional à importância que o tema recebe na Bíblia.

A homossexualidade masculina é claramente condenada em Levítico 18:22 e 20:13. O Levítico, entretanto, também autoriza a escravidão de não israelitas (25:44) e estabelece diversas normas que nenhum cristão, por mais conservador que seja, defende hoje em dia. Em 25:36, o Levítico proíbe a cobrança de juros. Alguma dessas igrejas que perseguem LGBTs se abstém de investir em renda fixa?

Há outras referências, ou possíveis referências, à homossexualidade no texto bíblico, mas autores como John Corvino ("What's Wrong with Homossexuality?", Oxford University Press, 2013) têm dúvidas se elas se referem à homossexualidade geral, a práticas como a prostituição homossexual, ou, como no caso de Sodoma (Gênesis 19:5), à prática de estupro coletivo contra homens estrangeiros como forma de reforçar seu status de inferioridade (também presente nos episódios narrados em Juízes, 19).

Sobre a punição a Sodoma, a propósito, Ezequiel 16:49 nos informa que "esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado".

Ou seja, quem votou contra taxar fundos exclusivos tem mais direito de ser chamado de "sodomita" do que os LGBTs.

Não há nada sobre os LGBTs no Evangelho.

No mínimo, a Bíblia não autoriza considerar a homossexualidade pior do que inúmeros outros pecados de origem sexual incluídos no texto bíblico, como a incomparavelmente mais comum infidelidade heterossexual.

Políticos preferem perseguir os LGBTs em vez dos adúlteros por uma simples questão numérica. Adúlteros são uma parte grande do eleitorado. Condená-los com muita ênfase custaria muitos votos. Os LGBTs, por outro lado, são uma minoria muito pequena. Por isso, condenar os homossexuais oferece à maioria heterossexual a oportunidade de posar de puritano com o desejo dos outros. Isso dá voto.

A decisão do papa, portanto, pode não ser tudo que católicos de esquerda como eu (para não falar nos LGBTs) queriam. A Igreja move-se lentamente e, movendo-se lentamente, atravessou milênios.

Mas o papa ajudou a tirar um pouco do chão sob os pés de gente ruim que usa a fé cristã para ganhar dinheiro, conquistar poder, explorar os piores sentimentos do eleitorado e perseguir minorias.

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