Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Decisão sobre fertilização in vitro mostra declínio dos Estados Unidos à teocracia

Ideia absurda e não científica no Alabama está ligada a cruzada religiosa para rebaixar condição de pessoa das mulheres

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The New York Times

Se você não acha que os Estados Unidos não estão deslizando em direção à teocracia, você não está prestando atenção.

O ritmo dos incidentes nos aproximando cada vez mais do futuro aparentemente inevitável é tão constante e frequente que desenvolvemos uma fadiga de indignação —ficamos insensíveis.

Por exemplo, em 16 de fevereiro, a Suprema Corte do Alabama decidiu que embriões congelados são crianças e que a destruição desses embriões, mesmo que acidentalmente, está sujeita à Lei de Morte Injusta de Menores do estado. Em seu voto favorável, o chefe de justiça do tribunal, Tom Parker, escreveu: "Mesmo antes do nascimento, todos os seres humanos carregam a imagem de Deus, e suas vidas não podem ser destruídas sem apagar a glória Dele."

Protesto inspirado em 'O Conto da Aia' em Washington contra decisão que revogou direito ao aborto nos EUA - Evelyn Hockstein - 24.jun.22/Reuters

A decisão pode significar menos acesso aos cuidados reprodutivos no Alabama se especialistas no campo da fertilização in vitro simplesmente optarem por atenderem em estados que não ameacem seus esforços.

Houve casos anteriores em que embriões foram destruídos como resultado de negligência, mas a decisão do Alabama aumenta significativamente a aposta. Essencialmente transforma tanques de criopreservação em berçários congelados.

A ideia é absurda e não científica. Em vez disso, está ligada a uma cruzada religiosa para rebaixar a condição de pessoas das mulheres conferindo esta condição a embriões congelados.

Liguei para Sean Tipton, diretor de defesa e política da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, que disse: "Um dos pontos no debate sobre o aborto é: 'Será que realmente se trata de aborto ou de controlar as mulheres e controlar o sexo?' E isso claramente expõe a ideia de que não é apenas sobre aborto." Ele disse: "Não há tratamento médico mais pró-vida disponível, nunca, do que a fertilização in vitro, e essa decisão claramente ameaça a capacidade de continuar."

O controle dos corpos das mulheres é o objetivo final. E alguns conservadores religiosos não vão parar até que esse objetivo seja alcançado. Por esse motivo, vitórias intervencionistas —como a revogação de Roe vs. Wade— nunca serão vistas como suficientes; apenas intensificarão um senso cegante de retidão.

Há uma série de casos de direitos reprodutivos fervilhando pelo país que poderiam chegar à Suprema Corte —a mesma corte que Donald Trump se gaba de ter transformado, tendo nomeado um terço de seus juízes. As batalhas legais e políticas sobre essas questões estão longe de terminar, e a preservação dos direitos restantes das mulheres está longe de ser certa.

A única coisa que parece estar temporariamente impedindo os republicanos do Congresso de pressionar por uma proibição nacional do aborto —depois de anos argumentando que seu objetivo era apenas permitir que os estados fizessem suas próprias leis— é que a questão da escolha reprodutiva é eleitoralmente prejudicial para o partido deles.

Mas agora Trump está supostamente falando em particular sobre apoiar uma proibição nacional do aborto de 16 semanas, com algumas exceções. Isso é o que muitos de seus apoiadores querem, e muitos deles acreditam que ele foi singularmente escolhido por Deus para avançar em seus objetivos teocráticos. É uma das razões pelas quais eles ignoram as falhas gritantes de Trump e o fato de que ele próprio não é um homem particularmente religioso.

Vale ressaltar que muitos dos esforços da direita, incluindo sobre a questão do aborto, são liderados por homens que querem nascimentos mas não podem dar à luz, refletindo um desequilíbrio entre poder e expectativa que pode se estender a uma geração mais jovem. Um novo relatório fascinante do Pew Research descobriu que embora homens e mulheres de 18 a 34 anos "tenham aproximadamente a mesma probabilidade de dizer que querem se casar", 57% dos homens jovens dizem que querem ter filhos um dia, em comparação com apenas 45% das mulheres jovens.

O aborto é apenas uma frente em que essa luta religiosa está sendo travada. A ACLU [principal organização de defesa de direitos civis dos EUA], rastreia em tempo real os projetos de lei anti-LGBTQIA+ sendo considerados pelas legislaturas estaduais [neste domingo (25), eram 452].

Depois, há o esforço alarmante de grupos conservadores para transformar e remodelar o governo federal de maneiras que restrinjam as liberdades americanas, mas também, de acordo com o Politico, para trazer ideias nacionalistas cristãs para um segundo governo Trump.

Para aqueles que avançam com essas ideias, a vontade de Deus conta mais do que a vontade do povo americano, mesmo quando os americanos se opõem ou discordam.

Segundo relatos, uma das várias propostas é invocar a Lei da Insurreição no primeiro dia de Trump de volta ao cargo para facilitar o envio das Forças Armadas contra manifestantes.

Estamos perigosamente perto de tudo isso se tornar realidade, potencialmente ajudado e incentivado por eleitores democratas descontentes.

Estou falando sobre muitos democratas com objeções de um único assunto ao presidente Joe Biden —seja contra sua posição na guerra Israel-Hamas, decepções sobre o estado geral da economia ou preocupações sobre a idade do presidente— que não se comprometeram a apoiar sua reeleição, que parecem não perceber que em novembro o país enfrenta uma das decisões eleitorais mais existenciais que já enfrentou.

Se esses democratas decidirem punir Biden ficando de fora do pleito, eles podem acabar realizando um dos maiores atos de autoimolação na história política recente: abandonar um governo comprometido com a proteção da democracia e possivelmente permitir a ascensão de uma teocracia com a intenção de destruir as liberdades que os progressistas valorizam.

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