É professora da FGV e professora-visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Bird, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração. Escreve às sextas-feiras.
O que foi feito de tudo o que a gente sonhou?
Michel Filho-23.out.2014/Agência O Globo | ||
Durante campanha presidencial, militantes pró-Aécio e pró-Dilma entraram em confronto em São Paulo |
Leio estarrecida a notícia de que a educadora Pilar Lacerda, a ativista por uma educação inclusiva Maria Antonia Goulart e o senador Lindbergh Farias foram agredidos fisicamente quando jantavam num restaurante no Rio, por suas convicções políticas. Lembrou-me a cena do belíssimo livro autobiográfico de Stephan Zweig, "O mundo de ontem", em que, numa Áustria pré-nazista, grupos de jovens violentos davam mostras públicas de sua virilidade.
Já há algum tempo, sinto uma polarização incompatível com o que acreditava ser o século 21. Ninguém tem razão e todos tentam vencer no grito. O outro, o não portador da verdade, tem falhas morais que eu não tenho, de acordo com uma lógica onipotente. O outro é o problema, num bipolarismo que Jonathan Sacks descreve como a raiz da violência.
E a construção do futuro do país? Difícil, neste clima, discutir propostas para melhorar a saúde, a educação, a mobilidade urbana, a cena cultural ou outros temas que deveriam marcar a agenda de debates, nesta semana em que se elegem muitos dos prefeitos do país.
O debate sobre a reformulação do ensino médio, por exemplo, proposta inicialmente pelo governo anterior e retomada agora, se dá num clima de acusações mútuas, meias verdades e defesa de agendas corporativistas. Continuamos neste flá-flu político que, aparentemente, dada a ruptura de um pacto anterior, ninguém consegue evitar.
E, no entanto, fomos juntos às ruas pedir, nos anos 70, o fim da ditadura. Tivemos sonhos de um Brasil mais justo, com mais equidade, e em que a discussão saudável deveria se dar tanto no Parlamento como em espaços comunitários. Juntos construiríamos uma política educacional diferente.
E, de fato, começamos a fazê-lo: colocamos todas as crianças na escola, passamos a avaliar a aprendizagem, priorizamos a inclusão e a educação infantil. Lutamos pela reforma sanitária, em que centros de saúde concentrariam a atenção primária e os hospitais não se entupiriam de pacientes mal atendidos. Abrimos espaços para a avaliação da qualidade das instituições superiores e para maior acesso às universidades.
Avançamos em algumas agendas, novos problemas se apresentaram e outros não conseguimos resolver. Mas outras gerações poderiam fazê-lo.
"O que foi feito amigo, de tudo o que a gente sonhou?" — tocavam as rádios no mundo pré-internet, adiantando um lamento que sinto na alma a cada vez que leio sobre um episódio como o ocorrido no Rio, seja de um lado ou de outro deste feio ambiente bipolar em que o Brasil se encontra.
Possam as eleições de domingo iniciar um novo ciclo, em que as atenções foquem mais a busca de um novo pacto pela construção do futuro.
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