Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

Estátuas e história

Em 1962 fez-se uma homenagem que aos olhos de hoje não é merecida

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Em uma obra menos conhecida de Ievtuchenko, "Não Morra Antes de Morrer", o poeta russo relata uma cena ocorrida em seu país, em que uma turba entusiasmada com o fim do império soviético passa a derrubar estátuas de líderes anteriormente admirados, até que decide derrubar as de escritores consagrados, como Púchkin.

A cena descrita é forte e nos faz pensar em quanto de ressentimento descontrolado estaria presente no momento em que, a um poeta da primeira metade do século 19, pôde ser imputada a culpa coletiva de ter sido derrubada, em 1917, uma autocracia para colocar outra no lugar.

Lembrei-me da cena ao ler sobre o ataque à estátua de Borba Gato. Não, não creio que Púchkin e o bandeirante chamuscado no evento da semana passada possam ser comparados em sua contribuição à humanidade, e tampouco se tratou de uma turba ensandecida em um momento histórico, o grupo de 15 pessoas que lotou um caminhão para incendiar a estátua. Mas ficou a sensação de que estátuas são homenagens prestadas a partir de certa leitura da história, que pode perder sentido, anos depois, assim como a de que equívocos nesse sentido podem ocorrer, numa tentativa de apagar legados.

Algo que me chama a atenção nesse linchamento de personagens históricos é o fato de que isso acontece desconsiderando o espírito de época em que viveram, dentro do grupo social em que estavam inseridos. Assemelha-se, em certo sentido, a críticas a Monteiro Lobato, todas pertinentes, afinal seus textos são claramente racistas, mas que tentavam vetar suas obras para leitura infantil. No fim, chegou-se à conclusão de que professores podem, certamente, trabalhar com as crianças esses livros e usar suas falhas para com elas discutir as questões éticas subjacentes.

Ao ler o segundo volume da obra de Laurentino Gomes, "Escravidão", pude ter, mais uma vez, a dimensão clara do que Borba Gato significou na história do Brasil. Sim, ele nos levou a conhecer o Brasil "profundo", ainda inexplorado pelo colonizador. No caminho, porém, escravizou índios, levou negros escravos, estuprou mulheres, matou quem a ele se opôs. E, em 1962, uma estátua dele, criada por Júlio Guerra, foi instalada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, como uma homenagem não merecida aos nossos olhos de hoje.

Borba Gato evidentemente não se compara a Púchkin ou a Lobato. Faz sentido então queimar a estátua? Não creio. Preferia uma destinação melhor a ser debatida com a população: colocá-la num museu onde se pudesse ensinar às crianças o real significado das entradas e bandeiras. Como fizeram, aliás, outros países com seus heróis destronados.

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