Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Luto afeta não só familiares, mas também a sociedade, que sofre junto

Nesses momentos, é comum emprestarmos um pouco da dor do luto coletivo para chorar as nossas próprias

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Um grande sentimento de luto coletivo permeia o país desde a última sexta (25), quando uma barragem da mineradora Vale se rompeu em Brumadinho (MG), deixando um rastro de destruição na vida de moradores da região.

Até a tarde desta segunda (28), 65 corpos haviam sido encontrados. Há ainda quase 300 desaparecidos. Essa é uma experiência na qual nos vemos juntos, próximos, identificados a partir dessas perdas.

“Mesmo não tendo relação direta com os afetados, estamos abalados. Outra vez a perda de vidas em massa? Por que temos de passar por isso novamente? Dá uma sensação de que não estamos sendo bem tratados”, diz a psicóloga Maria Helena Franco, especializada em luto.

Também há uma identificação com essas mortes porque tendemos a nos colocar naquela situação. Na internet, várias pessoas relataram passeios que fizeram na região de Brumadinho, especialmente ao Instituto Inhotim.

Alguns estiveram hospedados na Pousada Nova Estância Inn, destruída na tragédia. Hóspedes e funcionários do lugar não sobreviveram.

Nesses momentos, é comum emprestarmos um pouco da dor do luto coletivo para chorar as nossas próprias. Por que precisamos disso? Porque muitas vezes não nos permitimos sentir e viver nossas perdas quando elas acontecem.

Para quem viveu a tragédia na pele, o luto tem diferentes facetas. Há aquele pela perda de parentes, amigos e colegas, que pode ser intensificado pelo fato de muitos corpos ainda não terem sido encontrados. Fazer o funeral é uma etapa fundamental para começar a elaborar o luto.

"Na falta dos corpos, fica um luto não concretizado, que não se materializa na vida das pessoas. Abre lugar para uma expectativa, uma esperança de que a pessoa poderá ser encontrada viva. Fica um luto ambíguo, que não se configura como verdadeiro", diz a psicóloga.

Segundo ela, uma forma de ajudar as famílias enlutadas seria a realização de cerimônias em que os nomes das vítimas sejam ditos. "Os familiares precisam ser chamados a participar para que tenham muito clara a realidade do que está acontecendo."

Além disso, existe também a dor pela perda da segurança, da estabilidade, do chão que literalmente foi embora.

Ainda hoje, muitas das vítimas da tragédia de Mariana seguem enlutadas. No maior desastre ambiental do Brasil causado pela ruptura da barragem do Fundão, em 2015, 19 pessoas morreram e ecossistemas foram contaminados com o vazamento de rejeitos de minério.

Segundo estudo da UFMG, 82,9% das crianças e jovens que presenciaram o desastre têm sinais de transtorno de estresse pós-traumático. Nos adultos, 12% tiveram esse diagnóstico. Pesadelos recorrentes relacionados são relatados por 19,5% dos entrevistados. Um quarto apresenta insônia, 46,3%, irritabilidade ou crises de raiva. Foram ouvidas 276 vítimas.

Entre os jovens, 39,1% têm sinais de depressão e 26,1%  apresentaram comportamento suicida. Entre os adultos, o risco de suicídio foi identificado em 16,4% das pessoas.

Há um claro sofrimento social, um luto, como pano de fundo disso tudo. Os moradores perderam parentes e amigos, foram obrigados a deixar casas, objetos pessoais de forma abrupta. O pouco que sobrou foi saqueado.

Eles perderam a sensação de pertencimento, diz Franco. São pessoas que nasceram na zona rural e foram realocadas desde então para a cidade. 

Cerca de 60% dos atingidos dizem sofrer preconceito de outros moradores, já que muitos perderam o emprego por causa da paralisação das atividades da mineradora Samarco desde a tragédia. Ficam revoltados ao verem as vítimas recebendo um valor mensal como forma de ressarcimento.

Nem as crianças são poupadas. Muitas sofrem bullying nas escolas, sendo chamadas, por exemplo, de pés-de-lama. Isso mostra que o potencial de destruição dessa lama toda é muito maior, vai além das mortes. Pode continuar matando, de forma figurada, também aqueles que sobreviveram a ela.

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