Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

É hora de parar de empilhar cadáveres

Um olhar sobre o que o México está preparando

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O fato de que o Brasil conheceu um recorde de mortes violentas no ano passado, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reforça o que escrevi neste espaço no dia 29 de julho, com o título "A morte tem que estar na campanha".

Queria dizer que a violência que faz o país sangrar deveria ser tema obrigatório para os candidatos à eleição presidencial. Dizia também que o Brasil —e não apenas os  candidatos— deveria prestar atenção ao que está fazendo no México o presidente eleito Andrés Manuel López Obrador.

O presidente eleito do México, Andrés Manuel López Obrador, durante encontro para debater a violência no país na última terça (7)
O presidente eleito do México, Andrés Manuel López Obrador, durante encontro na última terça (7) para debater a violência no país - Jose Luis Gonzalez - 7.ago.2018/Reuters

Ele iniciou, na terça-feira (7), uma série de encontros com especialistas e representantes da sociedade civil a partir dos quais se elaborará o que ele chama de “receita mexicana” para a pacificação.

Quando se sabe que há mais mortos por 100 mil habitantes no Brasil (30,8) do que no México (20,5), fica de gritante evidência que urge tentar aviar uma “receita brasileira” para a pacificação.

AMLO, como López Obrador é mais conhecido, começou bem a sua série de encontros: pediu que as cadeiras à frente do palco em que ele falaria fossem reservadas para as vítimas da violência (ou parentes, no caso dos que morreram).

É razoável imaginar que quem sofre na carne os efeitos da criminalidade tem mais condições do que ninguém para propor soluções.

Mas há um especialista que já tem ideias razoavelmente claras do que se deve fazer. Chama-se Alfonso Durazo, que teve uma experiência próxima com a violência: foi secretário particular de Luis Donaldo Colosio, candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional, que governou o México por mais de 70 anos e está agora de novo no comando, com Enrique Peña Nieto). Colosio foi assassinado em 1994.

Durazo será o secretário de Segurança Pública quando AMLO assumir no dia 1º de dezembro.

Em conversa com o jornal El País, Durazo adiantou alguns pontos que talvez possam ser levados em conta por quem se dispuser a tentar elaborar a tal “receita brasileira".

Ponto 1: “Enquanto não atendermos as causas econômicas, políticas e sociais que geram a insegurança, a situação não melhorará mesmo que se ponha um policial em cada esquina".

A tese é razoável mas desconfio que o crescimento exponencial do narcotráfico torna insuficiente o enfrentamento da questão socioeconômica. Mas Durazo especifica o primeiro plano social, a ser implementado desde o primeiro dia de governo, que pode de fato contribuir para diminuir a violência: serão programas com foco "nos mais de 2,5 milhões de jovens que não estudam nem trabalham e que são mão-de-obra perfeita para o crime organizado".

Parece óbvio que vale para o México como para o Brasil. O plano prevê, completa Durazo, “apoios educativos, para vivenda, obra pública ou educação superior. A entrada em vigor de todos eles servirá para reduzir significativamente a violência a curto prazo”.

Não sei se o México (ou o Brasil) terá recursos para um plano que possa de fato fazer a diferença, mas, na teoria, a ideia parece boa.

Outro ponto importante da receita: um processo de pacificação, que poderia contemplar “uma lei de anistia para vulneráveis". Alude, especificamente, às “centenas de milhares de crianças armadas até os dentes que prestam algum serviço ao crime organizado, ou sob ameaça ou por sua situação econômica insustentável".

De novo, vale para o México, vale para o Brasil, como vale a frase seguinte do futuro secretário de Segurança mexicano: “É mais útil para o país reinseri-los do que castigá-los”.

Por fim, a receita em elaboração prevê atacar as finanças dos grupos criminosos. Diz Durazo: “Perseguir o dinheiro do crime organizado é mais importante que prender ‘capos’ porque é a fortaleza econômica que lhes dá capacidade de corromper e operar".

É óbvio que esse embrião de “receita mexicana” não será de fácil implementação. Mas pelo menos é algo mais —muito mais aliás—aliás--- do que o conformismo dos brasileiros e de suas autoridades com o empilhar de cadáveres, que só faz crescer, ano a ano.

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