Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Eleições 2018

FHC, diagnóstico perfeito, remédio insuficiente

Um diálogo entre o tucano e Lula para debater o país parece inviabilizada

O diagnóstico feito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na carta divulgada nesta quinta-feira (20) é absolutamente correto (e, ainda por cima, assustador) mas o remédio proposto, acho eu, é insuficiente.

FHC sugere que “os candidatos que não apostam em soluções extremas se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver".

É claramente uma proposta para salvar os candidatos ditos centristas, que capengam nas pesquisas e parecem desde já afastados do segundo turno. O ex-presidente está no direito dele de defender uma candidatura unitária dos centristas (Ciro Gomes está entre os convocados para o diálogo, presidente?).

É um caminho, embora de difícil concretização, que pode servir para 7 de outubro e eventualmente para o segundo turno, mas claramente insuficiente para o cenário de 1º de janeiro de 2019.

Qual o cenário? Para citar apenas a própria carta de FHC, está assim e ficará ainda pior mais adiante:

“Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de 13 milhões de desempregados e um déficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de déficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários Estados, dramática".

Seria assustador se fosse só isso, mas, acrescenta o ex-presidente, “como o novo governo terá gastos obrigatórios (principalmente salários do funcionalismo e benefícios da previdência) que já consomem cerca de 80% das receitas da União, além de uma conta de juros estimada em R$ 380 bilhões em 2019, o quadro fiscal da União tende a se agravar. O agravamento colocará em perigo o controle da inflação e forçará a elevação da taxa de juros. Sem a reversão desse círculo vicioso, o país, mais cedo que tarde, mergulhará em uma crise econômica ainda mais profunda".

Pule-se para a política e o que se tem é “a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos".

Restabelecer o primado da política seria, pois, o caminho a seguir, mas para fazê-lo seria preciso ampliar a mesa de diálogo.

Os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso se abraçam durante visita do tucano ao petista no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo
Os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso se abraçam durante visita do tucano ao petista no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo - Ricardo Stuckert - 2.fev.17/Instituto Lula/Reuters

​Como? Volto a uma conversa entre FHC e Lula, quando o primeiro visitou a mulher do segundo que agonizava no hospital, no dia 2 de fevereiro de 2017.

Nessa conversa, Celso Amorim, que fora chanceler de Lula, soltou uma frase que é corretíssima: "Vocês dois têm a obrigação de devolver a esperança ao Brasil", rememorou o ex-chanceler à Folha dias depois.

Amorim defendeu que os dois líderes dialogassem, daí em diante, em torno de um único tema, a reforma política, com o objetivo precípuo de diminuir drasticamente a influência do poder econômico sobre as votações.

José Gregori, ministro com FHC, também presente apoiou a ideia, até porque Amorim acrescentou que a necessidade de algum tipo de entendimento se devia ao fato de que "cada um deles tem liderança que vai muito além de seus respectivos partidos".

Acrescento eu outro ponto que me parece relevante: FHC e Lula fizeram os dois melhores governos do país desde, pelo menos,Juscelino Kubitschek (1956/61).

Que tiveram pecados, veniais ou capitais, cansei de apontar nas colunas que escrevi durante os oito anos de mandato de cada qual.

Mas o fato é que FHC estabilizou a economia, não recorreu a aventuras, iniciou programas sociais e a recuperação do papel do Brasil no mundo, enlameada pela ditadura militar.

Lula não só manteve a estabilidade como ampliou bastante os programas sociais, tampouco se deu à aventuras e ampliou também a participação brasileira no cenário global.

Admito que uma conversa agora parece inviabilizada. Não porque Lula está preso. Se pôde indicar um representante para disputar a Presidência, pode indicar outro (ou o mesmo) para dialogar. O diálogo agora é inviável porque todo mundo só pensa naquilo (passar para o segundo turno e, em seguida, ganhar a eleição).

O problema é que vencer não encerra a questão. A data que de fato conta para o futuro não é 7 de outubro nem 28 de outubro, mas 1º de janeiro. É a partir dela que será possível enfrentar as “condições políticas e sociais desafiadoras” como as atuais, para voltar à carta de FHC.

Quanto mais gente estiver à mesa para negociar o futuro, tanto melhor. É utopia? É. Mas a alternativa é “o aprofundamento da crise econômica, social e política", sempre de acordo com o ex-presidente.

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