Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Venezuela, ante o precipício

Quanto pode durar o "impasse daninho"?

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Simpatizantes do autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, participam de ato em Caracas - Carlos García Rawlins/Reuters

A Venezuela chega ao final de uma semana histórica em situação que pode ser resumida assim: o líder oposicionista e presidente autoproclamado Juan Guaidó tem mais legitimidade que poder; já Nicolás Maduro tem mais poder que legitimidade. Quem ganha?

Até o momento em que escrevo, ninguém. Instalou-se uma situação de "impasse daninho", como definiu para a revista Nueva Sociedad, da social-democracia alemã, o sociólogo Juan Gabriel Tokatlian, da Universidade Torcuato Di Tella (Argentina).

O que é exatamente esse impasse? "Nenhuma das partes pode triunfar e, porém, tampouco aceita ceder", explica Tokatlian, um dos mais lúcidos analistas latino-americanos.

Como é óbvio, o que pode romper o impasse é a atitude dos militares, o que é sublinhado por todos os que se debruçam sobre a crise venezuelana.

Houve época de crise no Brasil em que se definia o Exército --obviamente a força mais relevante em qualquer impasse-- como o Grande Mudo. Pois o Grande Mudo venezuelano falou na quarta-feira (23) em apoio a Maduro. Não basta, no entanto, para dar como definitiva essa posição.

Tome-se, por exemplo, a avaliação de Orlando Pérez, reitor associado da Faculdade de Artes, Humanidades e Ciências Sociais da Universidade Millersville (Pennsylvania):

"Os militares estão tão profundamente envolvidos com o regime que não podem dissociar-se dele. O que poderia provocar uma virada seria demonstrar que a oposição pode prevalecer", tuitou.

É uma avaliação sensata, mas Pérez deixa claro que não está ainda à vista uma vitória da oposição.
Outro que reconhece o profundo vínculo militares/regime é o senador republicano Marco Rubio, feroz crítico da ditadura venezuelana. "A questão não é se os principais líderes militares respaldam Maduro publicamente. Depois de duas décadas de tráfico de drogas e de constante monitoramento pela inteligência cubana, eles estão todos em uma armadilha. A verdadeira questão é se os oficiais de nível médio e os soldados na linha de frente seguirão suas ordens" [já que sofrem, como a maioria dos venezuelanos, pelo colapso do país].

Rocío San Miguel, diretora da ONG Controle Cidadão e especialista em temas militares, diz que a proclamação de Guaidó surpreendeu o meio militar, que demorou algo para reagir. Acrescenta: "Não há segurança sobre o efeito que pode estar causando nas Forças Armadas o reconhecimento internacional de Juan Guaidó como presidente interino".

Por fim, Margarita López Maya, historiadora da Universidade Central da Venezuela, depois de dizer que as instituições militares continuam sendo "o principal pilar do regime", lembra, contudo, que "2018 foi um ano de protestos, respondidos com severa repressão, com denúncias de torturas e maus-tratos. Mais de 180 militares estão presos, uma cifra histórica. Há, ademais, um número similar de investigados, submetidos a pressões e interrogatórios".

Há, portanto, em tese um ambiente propício à desobediência desejada pelo senador Rubio. Se se chegará a tanto, é uma questão em aberto.

Fica, pois, claramente desenhado o "impasse daninho" citado por Tokatlian. Já seria complicado em um país mais ou menos normal; em um país destroçado, é insustentável.

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