Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Colo de Mãe
Descrição de chapéu Família maternidade

Barbie pode ser o que quiser, desde que não escolha ser mãe

Se houvesse uma boneca para me representar, ela seria a Barbie cansada

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São Paulo

O filme que conta a história da Barbie reacendeu debates no dia a dia e nas redes sociais sobre feminismo, liberdade feminina, Barbie versus Susi e o papel da mulher na sociedade, estereotipado por um corpo de plástico irreal.

A Barbie nasceu revolucionária. Foi criada por uma mãe, a empresária Ruth Handler, uma das fundadoras da Mattel, para dar de presente à sua filha de nome Bárbara —e apelido Barbie— que estava entediada com as bonecas-bebês a colocando em um papel cansativo e secundário para a mulher: ser unicamente mãe e cuidadora do lar, sem profissão.

A falha da boneca foi ter nascido irreal, com corpo esguio e medidas que não representavam nem mesmo as norte-americanas da época. A Barbie se tornou um símbolo de corpo —e comportamento— "perfeito", reduzindo as mulheres a um novo estereótipo. E, nesta nova forma de ser, a Barbie pode ser o que quiser, desde que não escolha ser mãe.

Margot Robbie como Barbie; filme faz piada com a Barbie grávida, que foi descontinuada pela Mattel, mostrando que a maternidade é vista de forma secundária pela sociedade - Reuters

O filme de Greta Gerwig faz piada com a Barbie grávida, que foi descontinuada pela Mattel, empresa responsável pela boneca, numa clara crítica sobre a invisibilidade da maternidade.

A Barbie não me representa, como não representa um sem número de mulheres no mundo, e não simplesmente porque eu sou mãe, mas porque o estilo dela não tem nada a ver comigo. Alta, loira, magra e de cabelos lisos. Sou o contrário. Totalmente.

Mas a boneca esteve no meu imaginário de criança paupérrima, que foi catadora de recicláveis. Cheguei a ter uma Barbie, comprada por meu pai a prestações após eu ter ficado gravemente doente, que guardo com muito carinho. Na minha juventude, Barbie também foi me apelido, por gostar de combinar bolsas, sapatos e cintos.

Ocorre que eu não travo luta com bonecas. Minha Barbie, mesmo nunca tendo ficado grávida, teve três filhos. Trabalhava e não era casada, afinal, o Ken era caro, um simples boneco de plástico e ainda por cima sem cabelo.

Também não tive a Susi, o que é usado por muitas no Brasil para nos olhar com um certo ar de superioridade quando o assunto são os estereótipos da Barbie. Ora, a Susi também é uma boneca magra, alta, de cabelos lisos. A diferença? Eles são escuros.

Ela também não é mãe. E, portanto, não me representa, além de cheirar para mim como mais uma representação da síndrome de "vira-latas" dos brasileiros, tão bem aproveitada pela indústria do entretenimento.

Tive uma Barbie, nunca tive Susi, sou crítica das bonecas, mas minhas filhas puderam brincar com várias delas, de profissões diferentes, com cachorros, piscinas e amigas. Há as babás, as dentistas, as professoras, todas elas com crianças, e sempre menininhas, mas nunca há uma Barbie mãe.

A maternidade não cabe no mundo irreal, porque ele representa os mais profundos desejos sobre o mundo real de uma sociedade que não reconhece a importância e o lugar da mãe e das crianças. A sociedade plastificada em que vivemos quer mães perfeitas, em lindos porta-retratos, com crianças sorridentes. E, depois, magicamente, novas fotos com crianças crescidas, e mães que não envelhecem.

Mas, entre decidir ser mãe, ter seu bebê, criar e ver seu filho se tornar um adulto —incluindo as dores que isso traz— há um longo caminho solitário, que tenta ser cada vez mais escondido em um mundo em que a produtividade individual é o bem mais valorizado.

No filme, as piadas sobre como é estranho ver uma Barbie grávida rolam soltas. Mas, coincidentemente, é na maternidade que o filme se engrandece. Na dor de uma mãe, na coragem de uma mãe e nas fragilidades maternas.

Em um mundo onde querem nos dizer cada vez mais o que fazer —mesmo tentando nos convencer de que não estão nos convencendo de nada, de que a escolha é nossa—, eu "escolhi" ver o filme da Barbie numa segunda-feira qualquer de julho, sozinha, sem as filhas, desconectada do meu dia a dia, mas totalmente conectada com os papéis que eu mesma determinei para mim.

Saí de lá feliz com o filme, já sabendo que, no outro dia, um milhão de coisas me esperam, porque a mãe, quando para um pouquinho, trabalha o triplo depois, reforçando que sou mais uma Barbie que a Mattel não criou: a Barbie cansada.

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