Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus clima

Bolsonaro convida Biden para desmatar

O antiambientalismo autoritário não pode cumprir o que promete

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O governo brasileiro não espera pouco da Cúpula do Clima. Quer ser visto como ator sério e competente, e daí tirar bilhões de dólares de apoio a seus projetos. O obstáculo será o da persuasão: com recordes de desmatamento, de desproteção ambiental e de agressões a povos das florestas, todos os atos praticados nesses quase 30 meses traem essa ambição.

Persuasão pede credibilidade e coerência, atributos que o país, ex-potência ambiental e ex-protagonista internacional, renunciou de modo gratuito na sua política do pânico e circo. Há doutrina e método no antiambientalismo autoritário, ambos incompatíveis com os deveres constitucionais e internacionais de proteção do clima e do equilíbrio ecológico.

A doutrina reúne um apanhado de ideias pré-constitucionais. Corpo a ser explorado, a Amazônia se destinaria à extração de madeira e minérios, ao pasto, à monocultura exportadora e à grande geração hidroelétrica, que pressupõem supressão florestal. Indígenas deveriam servir a esse processo produtivo e se integrar à sociedade de consumo.

Dessa visão de riqueza lá do século 19, o valor da biodiversidade e serviços ecossistêmicos estão ausentes. Mudança climática e savanização seriam conspirações da ciência; sociedade plural e multicultural, uma subversão comunista; políticas de geração de riqueza por meio da conservação e da economia do conhecimento, uma ameaça à soberania.

“A Amazônia é nossa” tornou-se máxima dessa visão desonesta de interesse nacional. Dentro do “nossa” costumam predominar grileiros, garimpeiros e madeireiros que compõem o crime organizado da região. Invariavelmente, interesse privado e predatório envernizado com tinta de interesse nacional. Fazem terra arrasada e lucro rápido, não riqueza para o país.

Na pandemia se justificou inação sanitária pela insinuação de um dilema entre saúde e economia, que já causou quase 400 mil mortes. O antiambientalismo sugere não ser possível combinar emprego e desenvolvimento humano com proteção ambiental. Esconde que desmatamento é variável determinante da perenização do atraso na região.

Para converter doutrina em método, o antiambientalismo autoritário aplica cartilha com cinco técnicas.

A primeira é a Blitzkrieg desregulatória. Consiste na massiva edição de normas infralegais (resoluções, portarias) que afrouxam ou extinguem regras ambientais. São normas fabricadas com a consciência da ilegalidade. Pelo volume, desafiam o capital político de tribunais, que não conseguem controlar de modo oportuno e abrangente. É uma espécie de “lawfare” dentro do Estado. “Passar a boiada”, no jargão ministerial.

A segunda é a evisceração institucional de órgãos ambientais. O objetivo é colapsar a capacidade estatal para tarefas complexas. Há sub-técnicas aqui: cortes ou não execução de orçamento (ou suspensão de ajuda alemã e norueguesa); demissão e realocação de funcionários; exclusão da participação social; sucateamento e obstrução da atividade fiscalizadora, impedindo aplicação de multas ou anistiando bilhões de reais em multas.

A terceira é a militarização de funções essenciais da política ambiental. Em outras palavras, desprofissionalização e sujeição da política ambiental às doutrinas paranoicas da sapiência militar (que, entre outras coisas, massacrou milhares de indígenas na ditadura). O ataque a ONGs que disfarçariam a “cobiça internacional” é um exemplo.

A quarta é um multifacetado programa de desinformação. Do ponto de vista formal, esvazia órgãos que produzem dados e conhecimento, como o Inpe, ICMBio, IBGE etc. Informalmente, dissemina notícia falsa por canais obscuros do gabinete do ódio e em declarações públicas.

A quinta é um programa permanente de vigilância e intimidação dos críticos, por um lado, e incitação da delinquência ambiental, combinada com promessa de não fiscalização, de outro lado.

Vigilância e intimidação miram funcionários da burocracia estatal e críticos externos. Muitos cientistas, jornalistas e ativistas foram interpelados judicialmente a pedido do ministro Salles. Incitação ao desmatamento ou à invasão de terra indígena causam o que pedem. Tudo documentado e perdoado.

O resultado está aí: um Estado desprovido de equipamento jurídico, humano e operacional para prevenir a tragédia em curso. Sobra fanatismo, falta governança.

Presidente Biden, precisamos de dinheiro para reconstruir o que destruímos. La garantía?

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