Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus desmatamento

A destruição ambiental é por conta da casa, COP26

Delegação brasileira embrulha vandalismo ambiental com tagarelice verde

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Um presidente verde, acompanhado de ministros e milicos verdes, vocacionados a proteger uma Amazônia pouco verde, acabam de apresentar ideia de vanguarda para assumir a liderança global na mitigação da mudança climática: o Programa Nacional de Crescimento Verde (decretos 10845 e 10846/2021).

A tagarelice verde foi a arrojada estratégia encontrada pelo governo brasileiro para pousar em Glasgow de cabeça erguida. Lá se realiza, nos próximos dias, a COP26, encontro internacional anual para negociação de compromissos estatais em política climática. O plano quer "consolidar o Brasil como a maior potência verde do mundo".

Os decretos não estabelecem metas, deveres, mecanismos de accountability, transparência e participação. Adotam a técnica jurídica do "é verde esse bilete", também conhecida como "la garantía verde soy yo". Economia verde, emprego verde, projeto verde, o que mais você quiser verde entraram nesse conceituário ambiental renovado pelo toque da desfaçatez bolsonarista. Só faltaram empobrecimento verde e fome verde para espelhar o país.

"Narrativas verdes" não vão conquistar a COP26 nem podem esconder sangue e cinzas. Em 2015, o Brasil assinou o Acordo de Paris. Países do mundo assumiram compromissos voluntários de redução de emissões que, no agregado, tentam atenuar tragédia climática. Traduzida em números, almeja-se que aumento de temperatura não passe de 1,5ºC em relação à época pré-industrial (estamos hoje na faixa de 1,2 ºC).

Os compromissos estatais assumidos em 2015, insuficientes para atingir a meta global, devem ser revisados por cada país, em sentido progressivo, a cada cinco anos. Essa hora chegou.

A deslealdade brasileira com o regime de direito internacional já pisca aqui: por meio de contabilidade ambiental criativa, ou "pedalada climática", o país apresentou compromissos nominalmente melhores, concretamente piores. O truque foi mudar metodologia e base de cálculo (ver "Análise Científica e Jurídica da Nova NDC Brasileira", do Instituto Clima e Sociedade, ou "Clima e Desenvolvimento", do Instituto Talanoa).

O desempenho do governo Bolsonaro no incentivo ao desmatamento chama atenção do mundo. Se comparado o período de agosto de 2020 a junho de 2021 com o período de agosto de 2019 a junho de 2020, o aumento foi de 51%. Se comparado o desmatamento em março de 2021 com março de 2020, houve aumento de 216% (ver boletins de desmatamento do Imazon). Explosão meteórica no espaço de um ano.

Até a ministra da Agricultura tem dito que "não precisamos desmatar para comer, basta aumentar produtividade". O governo, contudo, concentra dinheiro público (créditos, subsídios, anistias) em atores que desmatam (ver estudos do Instituto Escolhas). Para zerar desmatamento se deve combater ilegalidade. Mas delinquência é aliada do governo.

A recente resolução 140 do Banco Central estabelece vedações para o crédito rural. Não terá crédito, por exemplo, quem tem imóvel dentro de unidade de conservação, em terra indígena ou quilombola, quem fez desmatamento ilegal ou praticou trabalho escravo. O truque mal intencionado está aí: os requisitos jurídicos e formais para se atestar as condicionantes facilitam, na prática, crédito para qualquer um. A resolução tem a espinha ruralista.

A devastação não é gratuita. O autoritarismo ambiental brasileiro tem destaque mundial. Traduz-se no desfinanciamento da fiscalização, no assédio a fiscais, na produção de desinformação e apagamento de dados, na leniência com a criminalidade e na desregulamentação, legal ou infralegal, da proteção do meio ambiente.

Enquanto líderes mundiais se preparam para o encontro de cúpula do ano, Jair Bolsonaro está mais preocupado com seus problemas criminais.

Alvo de mais de cem pedidos de impeachment, de cinco representações no Tribunal Penal Internacional, indiciado por dez crimes no relatório da CPI do Senado (à luz da conduta que permitiu 600 mil mortes na pandemia), acaba de ter a mensagem "vacina transmite Aids" excluída das plataformas do Facebook, Twitter e YouTube.

Mas a delegação brasileira, órfã de presidente, pretende mostrar ao mundo a que veio. No seu trottoir em Glasgow, colocará a seguinte proposta na mesa: vocês pagam a proteção, nós financiamos e incitamos a destruição. É pegar ou largar, COP26.

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