Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

A esfinge lava-jatista, capítulo 1

Augusto Aras tenta reescrever sua biografia; vai aqui uma série não autorizada

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Há mais semelhanças entre Augusto Aras e Deltan Dallagnol, Gilmar Mendes e Sergio Moro, Dias Toffoli e Marcelo Bretas do que supõe nossa vulgar filosofia. São equivalentes as suas formas de violar a lei conforme o freguês. São diferentes só os seus inimigos, os seus alvos e a hierarquia que ocupam. São primos-irmãos que se agridem em público. Uma briga em família. Uma família de pouco apego ao direito.

Importa mais o que os une. Temos permitido que o supérfluo, contudo, predomine sobre o central. E esse erro de análise tem afetado a avaliação de prejuízos concretos infligidos ao sistema de Justiça brasileiro.

Augusto Aras durante posse na sede da PGR - Antonio Cruz-2.out.19/Agência Brasil

Podemos usar o termo "lava-jatismo" como apito do cachorro, buzina encantatória para aglutinar tropa de sectários. Assim alguns advogados têm feito, e jornalistas parceiros repercutido sem perguntar o porquê. Dispensados do argumento, saem pregando o crachá de lava-jatista em qualquer desafeto. Transformada em locomotiva semântica, lava-jatismo passa a significar qualquer coisa. Gira na lógica do amigo e inimigo, não do legal e ilegal.

Ou podemos tentar decifrar que conceitos esse termo carrega e testar sua aplicabilidade a diferentes atores. Lava-jatismo não pode ser apenas o uso do direito para perseguir o PT e partidos da coalizão sob o grito messiânico do combate à corrupção. E se não é só isso, há muito mais lava-jatista por aí do que o senso comum preguiçoso e a advocacia lobista se dão o trabalho de reconhecer.

Essa descoberta é condição para um debate jurídico maduro. Lava-jatismo só tem validade como conceito crítico se significar o uso do direito para beneficiar aliados ou atacar adversários. Tudo isso sob o véu de uma retórica jurídica que se alterna entre termos esotéricos e expressões indutoras de pânico para esconder a parcialidade. Técnica ilusionista.

Assim descobriremos que Moro e Dallagnol são juvenis que pegaram carona numa prática ecumênica do ecossistema de operadores jurídicos. De pouca sagacidade política, limitado estofo jurídico e muita presunção moral, a dupla tentou ser mais lava-jatista que os reis do centrão magistocrático. Delinquiu do lado errado. Perdeu e foi expelida.

Esse jogo dissimulado e antijurídico está se espalhando. Mas só um lado recebe a alcunha de lava-jatista. E com base nessa farsa classificatória, Lula tem se deixado confundir nas nomeações aos cargos jurídicos mais importantes do país.

A Procuradoria-Geral da República é fundamental para combater ameaças criminosas à democracia e para liderar o Ministério Público Federal, instituição mais arrojada do constitucionalismo brasileiro na proteção de direitos de grupos desfavorecidos.

Augusto Aras, peça chave da proteção à delinquência bolsonarista, entrou em campanha por sua recondução. Afirma que teria desestruturado "as bases do lava-jatismo enquanto recebia ao revés uma chuva de projéteis traçantes iluminados por um jornalismo alimentado pelo denuncismo atroz e acrítico".

Para reagir a esses "projéteis traçantes", pediu prisão de professor por crítica desabonadora à sua delicada autoimagem. Pediu também prisão de jornalista por palavras de desapreço ao seu desempenho. E com aumento de pena por não ser cidadão qualquer, mas PGR. Não são esses chiliques, porém, que comprometem irremediavelmente sua biografia.

À luz do projeto de "descriminalização da política", Augusto Aras ajudou a conflagrar e quase paralisar o Ministério Público Federal na contenção da tragédia mortífera de Bolsonaro. Se o MPF realizou algo, foi apesar de Augusto Aras. Mas Aras agora atribui a si o mérito pelo que alguns procuradores, sob pressão e intimidação, ainda conseguiram fazer.

Luiz Carlos Cancellier, ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, suicidou-se em razão da investigação ilegal que sofria. Foi "a vítima" do lava-jatismo, segundo Elio Gaspari. Precisamos agora contar as vítimas do lava-jatismo de Aras. E precisamos resgatar o MPF da sanha lava-jatista que quer implodi-lo e desinstitucionalizá-lo. A isso se dedicará essa série nas próximas semanas.

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