Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

Zanin, só não vá cair no canto do sereio

Como o novo ministro do STF poderia surpreender o país, se quisesse

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Lula definiu a escolha de ministro do STF como "coisa tão minha que não quero repartir". Não houve índice melhor da degeneração do processo. Nomeação degenerada produz corte degenerada. E isso pode não acabar bem.

O STF caminha para menos institucionalidade, mais pessoalidade; menos legalidade, mais arbitrariedade; menos argumento, mais ilusionismo verbal; menos imparcialidade, mais promiscuidade; menos procedimento, mais chicana; menos jurisprudência, mais populisprudência; menos público, mais privado; menos Constituição, mais baixa política. Habitat do centrão.

O advogado Cristiano Zanin em evento em Brasília - Mauro Pimentel-2.jan.23/AFP

Indicado Cristiano Zanin, já se pode fazer um balanço do processo. Listo algumas patologias.

A especulação sobre os "cotados" passou a fazer fumaça permanente; o jornalismo aceitou a vassalagem ao lobby de autocandidatos, repercute declarações em off, cria "corrida" fictícia, e vê "guerra de bastidores"; e se esforçou na legitimação antecipada de Zanin, coletando declarações de personalidades em apoio a ele.

Passou a ser aceitável ministro que se aposenta lutar pela indicação de ex-assessor para sucedê-lo; e dar salto imediato, no dia seguinte à despedida, à advocacia privada, sem qualquer quarentena.

O processo está fechado para nomes de fora dos saraus magistocráticos, com trajetória na defesa de causas públicas relevantes. O argumento por mulheres e negros de fora do eixo Rio-São Paulo, diante da história de quase 100% de homens brancos sudestinos, está rejeitado.

A diversidade foi reduzida a fetiche estético, a mania moral, a frivolidade caprichosa. Ignora-se que ela produz mais legitimidade e inteligência; menos mediocridade e pensamento único. E que essas virtudes contam.

Ignora-se que a demanda por diversidade nunca abriu mão da indicação de alguém com trajetória independente, com disposição por comprar brigas constitucionais e assumir lados. Com traços de caráter e biografia, portanto.

O mundo jurídico foi reduzido a uma divisão infantilizante entre lava-jatistas e antilava-jatistas. E não se percebeu que, nessa briga sem lei, a hegemonia conquistada pelo antilava-jatismo tem muita afinidade com o que corretamente se criticava no lava-jatismo.

Zanin ainda não foi não confirmado pelo Senado, mas o barulho pela vaga de Rosa Weber começou. O lobby advocatício magistocrático mandou avisar, e o jornalismo repercutiu, que a escolha é "complexa". Por isso uma mulher "dificilmente será nomeada".

Há alguns prejuízos irreversíveis com essa indicação. Mas ainda se pode pedir que, apesar de tudo, Zanin surpreenda o país. Vamos imaginar quatro Zanins hipotéticos.

O pior Zanin que o STF pode ter é o ministro-bibelô do ministro decano, seduzido pelo centrão magistocrático, frequentador dos eventos de Lisboa, forçado a se unir às posições constitucionais dos outros. Por insegurança e solidão.

Quando Ulisses, na "Odisseia" de Homero, navegava de volta para casa, uma feiticeira sugeriu amarrar-se ao mastro para não cair no canto das sereias e morrer. Zanin precisará resistir ao canto do sereio. Outros ministros do STF não resistiram.

Talvez Zanin venha a ser um ministro coroinha, defensor da moral e dos bons costumes na acepção colonial, não na constitucional. Se aceitar Magno Malta como interlocutor, estará em jogo não a defesa, mas a repressão da liberdade religiosa.

Zanin poderia ser um juiz lorde inglês, de pendor elitista, em sintonia com seus ex-clientes da advocacia, mas favorável a causas emancipatórias básicas, como a liberação do porte de maconha ou os direitos reprodutivos das mulheres.

Por que não sonhar com o melhor Zanin possível? Juiz-coragem, liberal clássico, que enxerga na corte anteparo contra a violência majoritária, um John Locke do século 21, cosmopolita, atento ao meio ambiente e à humanidade de povos indígenas. Que entende direitos constitucionais como condição para que seja de fato livre, não fake, a concorrência de mercado, e para que seja de fato democrática, não fake, a competição política.

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