Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus forças armadas

Generais não cometem crimes

Só resta ao governo apaziguar relações com os heróis da sobrevivência democrática

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Generais não cometem crimes. Nem contra humanos, nem contra a humanidade. Muito menos contra não humanos e o ambiente natural. Nem crimes contra criações filosóficas como o bem público.

Militares não praticam corrupção. Não enriquecem ilicitamente. Não estimulam filhas a ficarem solteiras para acumular aposentadorias vitalícias. Nem falseiam sua própria morte para que esposa receba pensão. Nem usufruem de apartamentos funcionais ilegalmente.

Militares não erram, não traficam, não torturam. Não mentem e dispensam apuração da verdade. Substituem verdade pela honestidade. Se dizem que não mataram, assunto encerrado. Não há mortos e desaparecidos. Não seriam anistiados se não por honra ao mérito. Não teriam inocentado ex-capitão por planejar atentado se ele não tivesse vocação para a Presidência.

Cerimônia de apresentação de oficiais generais recém-promovidos, no Planalto, com o presidente Lula - Pedro Ladeira - 4.abr.23/Folhapress

Missão dada, missão cumprida. Na proteção da Amazônia, no controle de fronteiras, no Haiti, no combate às milícias e ao crime organizado do Rio de Janeiro. Não sufocam por falta de oxigênio. Não boicotam vacina nem deixam de vacinar os seus.

Não são incompetentes. Têm história de serviços prestados à inteligência.

Generais não atentam contra o Estado democrático. Não fabricam desinformação para questionar urnas eleitorais. Fazem revolução, não golpe. Organizam "movimento" para salvar a nação do centrão e do comunismo constitucionalizado. Não tuítam bobagem. Apenas alertam quando o tribunal deve se conter.

Militares não rejeitam controle civil. Mas a política democrática ainda não tem estatura moral para lhes colocar limites funcionais, orçamentários ou éticos. Não distribuem honrarias gratuitas a autoridades que lhes possam incomodar porque as querem capturar. Tentam ensinar virtude a degenerados.

Não impedem que o Ministério da Defesa contrate funcionários civis para funções centrais da política de defesa. Não impedem que as tarefas de planejamento e orçamento sejam desempenhadas por civis, como nas mais respeitadas Forças Armadas no mundo. Apenas esperam o nascimento de civis brasileiros confiáveis e capazes.

Militares têm relação de respeito à lei, mas essa lei é outra. Não a lei dos homens, nem mesmo a lei de Deus. Têm relação de respeito à lei que criam para si mesmos. Virtuosos, são autorizados a exercer a autolegalidade. Podem ler a Constituição de 1988 por sua própria gramática. Essa sapiência jurídica escapa a juristas civis.

Militares não contratam empresas de parentes. Quando dispensam licitação para contratar empresas de militares da reserva, é pelo renome, não pelo nome. Combatem o conflito de interesses. Não cultivam a covardia, mas a coragem. Não apreciam o sigilo. A transparência, porém, precisa de maturidade.

Não espionam. Não classificam seus críticos como maus brasileiros que se deve vigiar. Não definem patriota pela estupidez servil e amoral de qualquer cidadão ao poder, pois isso seria contraditório com o conceito clássico de patriotismo.

Não ofereceram serviços de camping, alimentação e animação ideológica na fase preparatória de 8 de janeiro de 2023. Nem rota de fuga e proteção de gente querida contra prisão em flagrante pela polícia naquela noite. Muito menos participaram dos atos de maior depredação de prédio público da história brasileira.

Não fossem os generais, não teríamos democracia.

Essas acusações, presentes em documentações desde a década de 1970, que remontam ao livro "Brasil: Nunca Mais", a denúncias perante organismos internacionais, a reportagens e teses acadêmicas, a julgamentos de cortes internacionais e casos na Justiça brasileira, e chegam ao relatório da CPI da Covid e ao da CPI do 8 de janeiro, são "prova cabal de perseguição política", como diria o senador Mourão.

Por essa razão, a decisão do governo federal de renunciar a qualquer debate sobre reformas institucionais das Forças Armadas, de apaziguar a relação com generais irritados com o desprestígio e risco penal, e de ensaiar nova participação militar na segurança pública do Rio de Janeiro, traz alento para um futuro democrático e seguro.

Com o perdão pelo otimismo que nossa história militar recomenda. Nunca na base da força, mas da persuasão.

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