Cristina Grillo é jornalista e advogada. Ocupou o cargo de Secretária de Redação da Sucursal do Rio da Folha.
Sem querer
RIO DE JANEIRO - Um militar do Exército deixa seu posto no quartel e, acompanhado por dois outros militares, entra em um parque público. Lá encontra um grupo de jovens homossexuais que aproveitava o lugar, deserto àquela hora da noite, para namorar -ou apenas conversar, não importa.
Na versão de quem estava lá, os três militares intimidam o grupo. Pedem documentos, números de telefone, ameaçam ligar para seus parentes e contar "o que eles estavam fazendo".
Um deles não se assusta com a atitude dos militares. Possivelmente, discute com eles. Termina a noite de domingo, que começara horas antes na Passeata Gay ouvindo discursos contra a homofobia, com um tiro na barriga.
Por sorte a bala que acertou o rapaz de 19 anos não atingiu nenhum órgão vital. Depois de atendido em um hospital, ele encontra forças para ir à delegacia contar o que aconteceu e -coragem extrema- ir ao quartel identificar seus agressores.
Do outro lado da história, as versões se contradizem. Primeiro, em nota oficial, o Exército nega a participação de membros da corporação no episódio nebuloso. Depois, revela que um deles confessou ter atirado. No capítulo seguinte, informa que o tiro foi "acidental".
Ninguém está livre de acidentes. Mas o conceito de "acidente" parece um pouco distante quando um militar abandona seu posto, perambula armado por uma área fora de suas atribuições e atinge "sem querer" um jovem gay que namorava -ou apenas conversava com um amigo.
Por dever de humanidade espera-se, no mínimo, que depois de acertar um tiro sem querer na barriga de um cidadão, qualquer pessoa busque socorro para sua vítima involuntária. Não foi o que aconteceu. De seu próprio celular o jovem pediu ajuda.
Mas foi tudo sem querer.
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